Coluna: Nem te conto!

Coluna: Nem te conto!

 A língua portuguesa é rica em expressões e eu, como escritor, sempre me pego apreciando suas nuances. Gosto muito de como as palavras são capazes de produzir sentidos contraditórios numa simples combinação ou repetição. O título dessa coluna é uma demonstração disso: “Nem te conto” é uma expressão que significa exatamente o oposto do que informa. E do mesmo modo, “vou te contar” representa exatamente a nossa intenção de omitir ou sonegar parcial ou completamente algo do interlocutor. Trata-se de um bom jogo de gato e rato.

 E é aí que pretendo dar continuidade ao nosso bate-papo da edição anterior, quando iniciamos nossa fala sobre contos. Uma das características marcantes dos contos e microcontos é o seu final impactante. E aqui não importa, a princípio, se a narrativa possui um final fechado ou aberto (falaremos disso em outro momento!). O impacto pode estar no bom e velho jogo de mostra e esconde entre narrador e leitor. Esse dinamismo de revelar determinadas informações, e deixar outras, propositalmente, ocultas, é bastante estimulante.

 Pensemos, por um instante, na famosa cena de Seven (1995), filme do diretor David Fincher. O que acontece quando Brad Pitt abre a caixa e descobre, aterrorizado, quem é a última vítima do psicopata coberto de sangue que acabara de prender, com a ajuda de Morgan Freeman (um dos meus atores favoritos de todos os tempos!). A cena, por si só, já é um tremendo soco no estômago, um gancho direto no queixo, capaz de derrubar o mais forte dos pesos pesados no ringue de box.

 Sabemos o que há dentro (mesmo não vendo) e ouvimos, devastados, o psicopata gabar-se do que realizou. Mas, quando pensamos que não é possível piorar mais, eis que ele revela algo que ninguém sabe sobre a vítima e sobre Millis (Pitt). O impacto não está em vermos os corpos de todas as vítimas do assassino ao longo do filme, ou o conteúdo da caixa nesta cena. Está justamente no que nunca veremos! Se você não assistiu esse filme ainda, faça um favor a si e assista-o agora mesmo!

 Então, como bons narradores, um dos desafios mais divertidos dos contos e microcontos está exatamente em plantarmos, de forma concisa, as sementes que germinarão de forma repentina, inesperada, criando um impacto e deixando, no leitor, um gosto forte na boca ao finalizar a leitura.

 Que tal planejar um conto (ou microconto) pelo final? Pelo impacto que se pretende deixar na mente dos leitores e leitoras? Independente de sua identificação como escritor(a), jardineiro(a) ou arquiteto(a), e do tipo de final de sua narrativa (aberto ou fechado), um desfecho que deixa uma dor, uma surpresa, uma angústia ou dúvida na mente de quem leu é de grande importância para este gênero literário.

 Então vamos conferir alguns microcontos que, de formas distintas, trazem esse impacto ao final:

Por JOSENILSON OLIVEIRA

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