CONTOS E MINICONTOS – A lenda da Tigris – parte 2 por Juliana Rossi

CONTOS E MINICONTOS – A lenda da Tigris – parte 2 por Juliana Rossi

Ideias e ideais

 Leona retorna a sua aldeia, o tigre a acompanha lado a lado até alguns metros da sua tenda e fica a observando, sua mãe já estava a sua procura, ela corre e a abraça puxando-a para dentro da tenda então relata todo o ocorrido.

 – Filha, está confirmado, o Tigre é seu Guardião, para que seu propósito seja alcançado. Mas vamos continuar mantendo isso em segredo, para nossa segurança! Disse Surya pensativa.

 Durante aqueles dias, seu povoado é visitado e tudo preparado para o casamento, tudo a gosto de seu futuro Rakã, nem o vestido ela escolheu, a menina já imagina, como será sua vida e continua temerosa, mas confia que algo vai ocorrer, porque seu guardião não a abandona, está sempre por perto, e lhe transmite paz.

 Faltando dois dias para o casamento, sua mãe vem com o vestido para ela provar e fazerem os devidos ajustes em seu corpo. Ela veste, e não se sente muito bem com o vestido, ele é bonito, branco com dourado, longo com várias fendas dos quadris aos pés, um decote até o umbigo, bastante revelador. E diz:

 – Mãe, me sinto seminua, dá para fechar o decote e as fendas um pouco? Se olhando no espelho surpresa.

 – Não filha, Nadesh gosta de exibir suas mulheres, ele com certeza viu sua beleza, ele escolheu seu vestido, vamos arrumar só onde ficou largo. Diz Surya passivamente.

 – Eu vou morrer de vergonha, com tanta gente me vendo assim! Diz Leona com tristeza.

 – Levante o rosto, sorria e caminhe em direção a seu futuro Rakã, ele espera por isso, e sua vontade deve ser obedecida. A partir desse dia você pertence a ele, não se esqueça disso. Surya, fala ajeitando o vestido de Leona.

 – Mãe, hoje pertenço a meu pai, e depois vou pertencer a Nadesh, não acha que eu deveria pertencer a mim mesma? Como todas a mulheres, todo ser vivo ser dono de si? Diz Leona convicta.

 – Menina, não comece com essas perguntas, nós não devemos achar, nada. Desse jeito, você só conseguirá punição de seu Rakã. Faça simplesmente o que você tem que fazer. Fala sua mãe com firmeza.

 – Mas mãe, isso não é justo, somos seres iguais, pensamos, sentimos, amamos tanto quanto os homens, não quero isso para minhas irmãs e talvez filhas, não é justo! Insiste Leona.

 – Eu só quero o bem de vocês, para que não sofram nem sejam executadas! Por isso, pare de pensar e somente obedeça em silêncio.  – Falou colocando os dedos sobre os lábios de Leona.

 A moça, fica quieta, mas não deixa de pensar e muito, porém sabe que não é o momento, para discutir com sua mãe. Então pensa, talvez depois de casada eu consiga falar com outras mulheres e de algum modo encontre um modo de alcançar a igualdade e equidade entre homens e mulheres.

 Leona sai para andar na floresta e o seu guardião está a certa distância a observar, então caminha em direção dele e juntos vão a floresta, e lá se sentam e inicia uma comunicação entre eles. – Como irei mudar uma tradição tão forte de dominação sobre as mulheres, quando elas próprias, por medo se sujeitam a isso? Pensa Leona em voz alta.

  O tigre, olhando nos olhos dela responde mentalmente; – Menina, isso não será tarefa fácil, primeiro é preciso que as próprias mulheres acreditem que merecem essa liberdade e igualdade, será necessária união entre vocês, só então isso será possível. Não desista, os espíritos guardiões da floresta estarão com vocês.

 Surya, vem andando, estava observando a menina, pois aquela conversa a deixou preocupada; -Está tudo bem aqui? Pergunta.

 – Sim mãe, ele é meu guardião, fique tranquila! – Responde Leona sorrindo.

 Pousa próximo deles uma coruja branca. E o Tigre comunica; – Essa é Doot, a mensageira, manterá vocês informadas e unidas, mesmo que haja distância.

 – Filha, você ouviu o Tigre? Pergunta assustada e admirada com a comunicação perfeita.

 – Sim, mãe, não estamos sozinhas, os espíritos guardiões da floresta estão conosco. Diz Leona, tranquilizando sua mãe.

 Doot pousa no ombro de Surya, e diz: – O casamento de Leona se aproxima, precisamos manter unidas, confiantes e leais entre nós. A libertação e igualdade virá por meio dela, acredite. Os questionamentos dela foram ouvidos pela grande mãe natureza, como seres vivos, somos uma familia.

 Surya e Leona, caminham de volta para a aldeia, a noite está chegando. O tigre se deita a uma certa distância, elas entram na cabana, esta será a última noite de Leona com sua mãe e irmãs, e sua vó também vem um pouco ficar com elas, vovó Nadabe relata pela primeira vez que conheceu uma moça da aldeia que teve um lobo guardião, o nome dela era Akela, ela tinha ideias de liberdade e igualdade, e falava sobre isso com suas irmãs e amigas, falava inclusive que as mulheres não deviam ser obrigadas a se casar, e muito menos tão jovens, foi ouvida por alguns homens, que contaram para o seu futuro Rakã, então ela foi castigada diante de todo o povo, amarrada em um poste e chicoteada, cada chicotada que levava, os lobos uivavam como se estivessem chorando, a moça foi deixada sozinha amarrada a noite toda, os lobos uivaram a noite inteira, ninguém poderia tentar ajuda-la, ela estava como demonstração de que não se pode contrariar a vontade de Radanakã e Rakã. Mas pela manhã ela não estava lá, apenas as amarras, o que iniciou uma busca de três dias e três noites, mas nada foi encontrado. As mulheres que fossem ouvidas falando sobre Akela, ou sobre as idéias dela seriam punidas igualmente, por isso essa história veio sendo esquecida. Leona não aguentou e perguntou: – Mas vóvo, porque não falou sobre essa história antes.

 – Por que só hoje, entendi o significado do tigre, nos rondando, por que a mensageira Doot voltou e agora sei o silêncio das mulheres deverá acabar. – Responde vovó Nadabe, com um semblante de paz.

 -A senhora já conhecia Doot a coruja? Pergunta Surya surpresa.

 – Sim ela foi mensageira entre Akela e sua mãe, por muitos anos, até que a mãe dela faleceu e Doot ficou um tempo distante. – Responde Nadabe.

 – Significa que Akela pode estar viva? – Leona pergunta animada e curiosa.

 – Sim, é possível, mas esse ainda é nosso segredo. Precisamos ficar atentos aos próximos acontecimentos. Diz Nadabe um tanto preocupada.

 Aquela noite, Nadabe, Surya e Leona, conversaram muito sobre suas ideias e ideais de liberdade e igualdade e equidade, queriam paz entre todos, mas a mudança traria muitos conflitos, pois não seria aceito com facilidade, afinal fazia parte da cultura e religiosidade deles.

 Amanheceram ali juntas, ansiosas, era vésperas do casamento de Leona, não sabiam bem o que esperar.

 Continua …

Por JULIANA ROSSI

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