CONTOS E MINICONTOS – Éramos doze por Sônia Maria Pessatti

CONTOS E MINICONTOS – Éramos doze por Sônia Maria Pessatti

 Deslumbrado olhei para o alto e vi a igreja sendo coberta, ela era muito alta, parecia que iria tocar o céu. Indiretamente tocava.

 Depois do telhado vieram os acabamentos, verdadeiras obras de arte, feito por colonos, comerciantes, donas de casa e quem mais pudesse ajudar. Uma comunidade de descendentes italianos que não tinha muito dinheiro, mas a fé era do tamanho da alma de cada morador que se empenhava em reformar a igreja, que ficava no centro do vilarejo, em cima do morro, pois além de ser templo de oração, era também, sala de reunião e abrigo em épocas de cheia.

 A construção erguida durante a primeira década do século XX ficou ainda mais bonita, do que já era, foi um trabalho árduo, mas necessário, pois as goteiras se multiplicaram e estavam destruindo a arquitetura de quase meio século.

 Todo aquele trabalho só por uma igreja? Para quem se fez essa pergunta, a resposta é, Não! Todo aquele trabalho estava ligado a união, crença e um inestimado exemplo de atitude.

 — É linda! — Disse cochichando para minha mãe, logo que entramos para assistirmos a primeira missa.

 Sentei junto aos meus pais e irmãos, assistir a uma missa em minha época era assunto sério, não se permitia brincadeiras ou distrações. Depois da celebração festejou-se o acontecimento, que marcava uma nova era religiosa para a comunidade. Naquela noite em meio aos festejos eu comprei dez “réis” em pão doce, o pão foi tanto, que eu, alguns vizinhos e conhecidos passamos a noite comendo e brincando.

 Com a chegada do novo padre, o senhor Luigi, um gaúcho alto, bigode bem aparado e pouco cabelo, fazendo sua cabeça parecer ainda maior do que já era, não hesitei em me inscrever para ser coroinha, mesmo sabendo que morava longe e teria que chegar até a igreja a pé. Com o senhor Luigi aprendemos muito sobre religião e sobre a vida, ele nos dizia que não importa se somos, maragatos ou chimangos, tricolores ou colorado, nunca podemos esquecer das nossas raízes e onde queremos chegar. Esse ensinamento carreguei comigo por quase 75 anos.

 Éramos doze! Doze coroinhas, cada um com a suas dificuldades, seus problemas e propósitos, mesmo diferente um do outro, formamos um grupo unido e prestativo. Hoje essa trajetória pode parecer desumana, mas naquela época era normal, assim como hoje é normal ficar trancado em um quarto vivendo virtualmente de ilusões. Ao ganhar um par de tamancos do meu pai a trajetória ficou mais fácil, era motivo de orgulho para a família, ter um filho coroinha e o investimento em um calçado resistente se fez necessário.

 Eu andava por quilômetros a pé para ser coroinha no culto dominical, parei de estudar para trabalhar com meu pai na roça, com dezoito anos servi o exército brasileiro, participei de corridas de cavalos e minha maior rebeldia foi encerrar um baile com briga, que me resultou em um olho roxo. Foi uma época onde a prioridade era a formação do caráter e com regras objetiva se construiu uma geração forte com decisões firmes, que ao escrever sua própria história deixou marcas no tempo.

 Um a um os doze coroinhas juntaram-se ao padre Luigi, novamente, desta vez em outro plano, onde não teremos mais campos coberto de gelo para andar descalço e daqui veremos a geração virtual, a qual não nos passou muita segurança, assumir o controle da história, mas a boa notícia é que, quando nos tomamos adultos os veteranos da época também não acreditavam em nossos ideais de liberdade.

Por SÔNIA MARIA PESSATTI

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