CONTOS E MINICONTOS – Eu já não me perco de mim por Renata Andrade

CONTOS E MINICONTOS – Eu já não me perco de mim por Renata Andrade

 Leila voltava para o trabalho pensativa. Aquele homem que estava a sua frente, até poucos minutos atrás, parecia não ter mais nenhum poder sobre suas emoções. O trânsito moroso, deu-lhe certo tempo para digerir o almoço e as sensações que passeavam dentro dela. O que procurou reviver por anos em lembranças cálidas e famintas, já não a alimentava como antes. Quando ela aceitou encontrá-lo, seu coração acelerou e seus pelos se atiçaram. Ela não ignorou a memória de um desejo que a tirava do eixo e era muito bom sentir aquilo.

 Não, definitivamente, ela não teve medo. Há anos tomara a decisão de se afastar e reconstruir sua história com o marido. Às vezes, Leila se perguntava: por que quero vê-lo? É essa a resposta: eu quero. Dizia a si mesma.

 Ele esteve ali, diante dela, mais bonito e mais cheiroso, com o mesmo olhar maroto que havia lhe conquistado. Os anéis castanhos que lhe caiam no rosto estavam agora cortados, os fios alinhados mostravam o homem maturado. O corpo era o mesmo, a boca sempre foi linda. Lembrou-se dos beijos escondidos nos quartos de hotéis.

 O que realmente ele queria na insistência desse encontro? Desde que um entusiasta fizera um grupo de WhatsApp para reunir os antigos colegas de trabalho, seu contato ficou exposto e logo ele a chamou em privado. Leila demorou a responder, tinha receio dela mesma. Aceitou o almoço, queria um tempo apertado, para coibir qualquer tentação.

 Recordou-se que a ansiedade não a deixará dormir bem. Acordou e se arrumou como achou apropriado: um longo, um blazer e um salto. Se sentiu linda. No horário marcado, ele já a esperava, e levantou, a abraçou, tomou distância e voltou a abraçá-la. Dessa vez, cheirou seus cabelos, como sempre fazia e elogiou o cabelo crespo que antes ela escondia. No fundo, ela esperava esse carinho. Foi receptiva, falando sobre tantas coisas, contando-lhe sobre como seus bebês cresceram e são homens lindos. Ele ouvia, olhando pra Leila, querendo perguntar alguma coisa. Elogiou seus lábios e quis saber se o marido realmente não a traía mais. Se ela confiava. Fez-se um silêncio. Estou solteiro e sozinho, disse ele. Ela disse: não tenho interesse, estou muito bem. Meu casamento está ótimo.

 Ele devolveu: então, porque veio me ver, tão linda e gostosa? Estou te convidando a reviver o que a gente nem terminou e sorriu como se estivesse em frente ao mar. Ah, aquele sorriso molhado que a fez se apaixonar! Agora não fazia mais sentido. Deixar-se tocar seria um imprevisto.

 Ele continuava sorrindo, conhecedor do efeito dele sobre ela. Leila, guardou o elogio entre os dentes e apenas confessou: eu já não me perco de mim quando encontro seu corpo. Não nego que você foi importante, mas não preciso de você como antes nem meu corpo, nem minha mente estão disponíveis.

 Resolveram pedir a conta. Ele parecia frustrado, mas os olhos riam. Ao se despedir, beijou-lhe as mãos e disse: você é maravilhosa e tem um lugar quente no meu coração. Ela suspirou um obrigada.

 Leila estava leve. Olhos brilhantes de satisfação com ela mesma. Agradecendo a oportunidade de se rever e continuar construindo a mulher que gosta de ser. No final do dia, voltou para casa e apagou o número dele de sua agenda. Ela sabe que não precisa voltar para um passado que nunca teve futuro.

Por RENATA ANDRADE

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