CONTOS E MINICONTOS – Memórias de um sonho por Wallisson Andrade

CONTOS E MINICONTOS – Memórias de um sonho por Wallisson Andrade

Fechei os olhos, mas não escureceu; minha mente vaga para tão longe deste quarto, para um mundo que já se foi há muito, confundindo tudo, fazendo-me questionar se vivi ou apenas sonhei ter vivido aquilo. Em meio aos meus devaneios, a realidade se mistura com a fantasia. Lembro-me de uma casa no campo, próxima a um lago; uma mulher com quem eu compartilhava as refeições estava lá, mas não era só isso. Sorrisos ecoavam pelos cômodos; entre flertes, palavras bobas eram soltas ao vento. Lembranças…

Sentado na varanda, em uma cadeira de balanço, o dia parecia passar devagar. Até as folhas das árvores moviam-se lentamente em direção ao chão, assim como eu via em câmera lenta, caminhando entre as rosas e girassóis de nosso jardim. Ela vinha em minha direção, a luz do sol ao crepúsculo era seu holofote, realçando seus olhos e cabelos castanhos claros. A brisa levemente soprava, levando seus cabelos. Naquele momento, a cada fechar de minhas pálpebras, era como se eu a fotografasse com olhos, registrando aquele momento ímpar em minha memória. Ela se sentava ao meu lado, abria seu livro e tomava seu chá até que o último raio de sol sumisse no horizonte.

O dia se tornou noite, roupas eram jogadas por todos os lados, corríamos pelo convés em direção ao lago e, como dois adolescentes, saltávamos de mãos dadas, banhados pela lua e apenas embriagados de amor, perturbávamos a tranquilidade daquele lugar. Deitados naquele convés como viemos ao mundo, olhávamos para as estrelas, compartilhando sonhos, esperando uma estrela cruzar os céus para fazermos nosso pedido.

– Ali me perguntei: o que podia ser melhor que isso? Seria ingratidão querer mais?

Eu me perdia em pensamentos, mas logo me encontrava nos lábios dela, ali mesmo fizemos amor e todas as dúvidas sumiram, porque ela era a resposta.

O piso de madeira estalava pela casa enquanto ela caminhava. Isso me acordava. Parece bobo, mas eu continuava de olhos fechados, esperando-a voltar ao quarto trazendo nosso café; aquele momento fazia parte da nossa rotina. Eu abria os olhos, e lá estava ela, usando minha blusa, que mais parecia um vestido. Após um beijo, ela me entregava uma bela xícara de café acompanhada de um sorriso.

Depois de certo tempo, ela percebeu que eu sempre estava acordado, mas nunca deixou de me acordar com aquela melhor versão de um mundo perfeito.

Era inverno, chovia muito, relâmpagos cruzavam os céus e o som dos raios ecoavam por todos os lados. Estávamos sentados em frente à lareira enquanto conversávamos, mas por um momento ela se calou e logo depois me disse: “Amor, está na hora.”

A bolsa dela tinha rompido; tinha chegado a hora de um pedacinho da gente vir ao mundo. Eu corri, comecei a fazer tudo como combinamos, mas ao sair para buscar o carro, logo percebi que não teria como sair dali. Liguei para a emergência, mas todos os atendimentos estavam ocupados; era uma noite de tempestade. Ela tentou se levantar da cadeira, mas não conseguiu. Em meio a gritos de dor, ela me chamava. Sabíamos que aquilo não estava normal; havia sangue no chão, e sua dor só aumentava.

Ajudei ela a deitar-se para deixá-la mais confortável, mas quanto mais o tempo passava, mais a dor dela aumentava. Só havia nós dois; a opção menos desejável era a mais óbvia: teríamos que trazer aquela criança ao mundo ali. Não tínhamos tempo a perder.

Havia muito sangue; aquilo foi muito intenso. Horas depois, seus gritos cessaram; apenas lembro de ouvir o choro de uma criança, e eu a segurando nos meus braços enquanto segurava a mão de minha esposa e eu a dizendo: “É uma garotinha.”

Um sorriso singelo formou-se nos seus lábios; seus olhos se fecharam lentamente, e sua mão soltou levemente a minha; logo, um turbilhão de emoções me tomava. Praguejei aos céus em desespero, e por muito tempo foi assim. As manhãs não são mais as mesmas, mas ainda ouço o chão de madeira estalar, por mais que abafado por gargalhadas de uma pequena cheia de vida, que corre pela casa ostentando flores para ornar seus cabelos.

Ela que não lê livros, mas ouve boas histórias de uma princesa guerreira que corria por estes mesmos corredores e campos, a mulher que sempre amarei por toda vida, assim como a amo hoje.   

Fim!

Por WALLISSON ANDRADE

Pular para o conteúdo