CONTOS E MINICONTOS – A princesa e o poeta por Jefferson Souza

CONTOS E MINICONTOS – A princesa e o poeta por Jefferson Souza

 Um sentimento puro e verdadeiro, ao mesmo tempo forte e intenso, certamente é raro. Encontrar em outra pessoa o que lhe falta também é algo difícil. Por isso, essa história é especial. A princesa já estava cansada e desiludida de tantas relações difíceis em que depositava amor e esperança e recebia egoísmo e decepções em troca. O amor tanto falado e recitado parecia agora estar apenas nos poemas e histórias contadas através dos tempos. O poeta também sofria do mesmo mal, quem o queria apenas na escuridão do desconhecer, pois seu segredo o tirava do rol dos mais preteridos quando à luz aparecia. Ser amado era apenas a utopia de quem realmente lia de forma surreal a expressão máxima do bem querer.

 

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 Ela já não buscava mais chamar a atenção. As fotos que tirava era uma forma de libertação, pois em uma sociedade machista e patriarcal, mostrar seu lindo corpo, mesmo no mais comportado modelito de praia, parecia ser uma provocação. Tanto para elogios abusivos como críticas sem gentileza. Ainda mais recém-saída da um casamento onde não havia mais admiração e carinho. A mulher quer ser admirada e respeitada como ela é e não ser comparada com outras. Ser sempre tolhida em suas vontades ou até mesmo impedida de ter autoestima era estar no mais lindo castelo, mas só poder ficar na torre. Enfim, suportou o quanto pôde, por seus princípios, por seus filhos e até para evitar olhares maledicentes a seu respeito e à sua família. Mas agora, livre de qualquer amarra, poderia viver, sentir-se bela e plena, mas ainda acreditava em encontrar um grande amor, alguém que devolvesse a ela aquele lindo olhar e o sorriso de outrora.

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  Ele parecia conformado com sua situação. Mesmo com o amor pulsando por suas veias, nas escritas que ilustravam seus blocos de notas, não havia a motivação de tocar o coração de alguém. Afinal, quem teria chance em um universo onde só havia a certeza de uma vida saudável a dois. Quem perderia sua vida, sua liberdade, por quem tiraria seus mais belos dias conhecendo lugares e pessoas, para ficar ao lado dele? Ainda mais, com as feridas causadas por quem se arriscou a amá-lo e tirou, além de sua dignidade, a vontade de continuar acreditando. As redes sociais pareciam um lugar inóspito, mas ainda sim estaria seguro de qualquer perigo, poderia fazer amizades, seus poemas seriam lidos e teria a admiração dos amantes dessa arte. Mas, em seu íntimo, ainda havia a esperança de encontrar quem poderia vê-lo por sua alma.

 

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 A princesa esperava algo que a surpreendesse naquele fim de semana tedioso. Estava cansada de vídeos da internet e curtidas nas redes sociais. Mas enquanto passava pelo feed do instagram, a postagem de um perfil lhe chamou a atenção. Uma imagem de coração e uma mensagem “seja o amor onde não houver amor”. Curiosa, percebeu que o seguia há algum tempo, mas nunca havia conversado ou curtido qualquer postagem, mas seu coração ficou quentinho ao ler aquelas palavras e viu que estava online nos stories. Mesmo saindo do senso comum, arriscou-se e mandou um emoji de rosto feliz e esperou a resposta que acabou não chegando no momento. Horas depois, uma flor surgiu em sua tela. Sem dizer uma palavra, lhe conquistara.

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 Muitas fotos no perfil, na praia somente, mas sem permitir nenhum comentário. Proteção das investidas sem respeito ou intencional para despertar curiosidade? Seja como for, chamou a atenção dele. Saber ao menos onde morava, o que fazia, se tinha família, enfim, uma amizade sadia e sem pretensões, afinal sofrera muito com ilusões e falsos sentimentos. Claro que não poderia julgar ninguém e nem jogar tamanha responsabilidade em quem ainda nem conhecia, mas a autopreservação era primordial. A rosa tinha cumprido o seu papel, pois quebrou o gelo de uma conversa formal para um diálogo mais intimista. Se era para ser amizade ou fluir para algo mais carinho só o tempo poderia responder, mas havia algo doce e intenso acontecendo. Parecia inevitável.

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“Oi! Bom dia! Obrigado por estar aqui no meu perfil. Tenha uma linda manhã!”. Piegas, mas gentil e carinhoso. Um doce atrevimento que a deixou curiosa. Nada de elogios exagerados ou gracejos incômodos. Já estava acostumada com cantadas nada agradáveis e que ao invés de elevar a autoestima acabava sendo um assédio desnecessário. Sua beleza precisava transcender o que os olhos viam, tinha que chegar ao coração. Afinal possuía outras virtudes além de seu lindo rosto e corpo perfeito, mesmo não atendendo aos padrões exigidos. Já passara do modelito jovial e não se incomodava mais com as marcas de expressões do tempo. Queria ser admirada por sua alma bondosa, ferida por um relacionamento abusivo, onde a dor ainda norteava sua vida, pois estava ainda no processo final de separação. Além da aceitação dos filhos, não queria nada sério naquele momento, queria um amigo para sorrir e se distrair. Alguém que não a fizesse se sentir um pedaço de carne livre no mercado, mas já se armara psicologicamente para qualquer investida. Mas, nada de outra mensagem. Talvez, tivera desistido de conversar ou esperara algum sinal. Foi até suas postagens. Era um poeta, mas nada de fotos pessoais, apenas imagens fortes e escritos tristes. Seria mais um carente em busca de uma mulher para adotar? Mas, queria “pagar pra ver”. Foi até o seu stories e curtiu com um emoji feliz. Quem sabe assim lhe chamaria, definitivamente, a atenção.

 Ele esperara uma resposta ao seu “bom dia!”, mas sentia o medo consumir-lhe outra vez. Nunca foi de querer tanto conhecer uma pessoa, mas aquele olhar fascinava e mesmo sabendo que tudo o que vivia ultimamente era ilusório, sempre aguardava um dia em que encontraria uma amizade sincera. Muitas se interessavam pelo poeta apaixonado, mas se afastavam ao conhecer. Expectativas muito altas geram frustrações do mesmo patamar e na rede social não era diferente. Mesmo não sendo um aplicativo de relacionamento, sempre terminava se apegando a quem conhecia. De repente, seu mais recente poema postando no stories recebera um “like”, justamente de quem gostaria de conhecer. Seria um sinal?

 “Ah, que gentil! Obrigado por ter curtido meu poema! Tudo bem contigo?”

 “Imagina! Achei incrível, escreve bem! Parabéns!”

 Assim iniciava sua primeira conversa com “Marquês da Morte”, codinome daquele perfil poético. Mas ainda não se sentia segura, pois alguém sem rosto tem muitas faces. Ninguém é feio quando as atitudes são nobres e bonitas, e ninguém é lindo quando o coração é maldoso. Mas o seu coração confessava certa vontade de saber quem era o poeta por trás das poesias. Por sua vez, ele também parecia não confiar muito, mas homem sempre tem mais segurança em relação ao desconhecido. Claro, que ninguém em sã consciência postaria nas redes sociais seus piores momentos, mas um pouco de realidade dá segurança a possíveis “affairs”. Pois já dizia o sábio: “é melhor se surpreender com ideais possíveis, do que se decepcionar com altas expectativas”.

 Enfim, beleza atrai, mas gentileza conquista. Dele se esperava sensibilidade e educação, dela se esperava humildade e atenção. Assim, os ingredientes perfeitos para o início de uma relação.

 Durante o dia não conversaram. Muitas indagações na mente e no coração.

 As inseguranças do “é bom demais para ser verdade” sempre vem à tona, especialmente com relações passadas mal sucedidas. Mas quando o corpo quer, a alma entende. Mesmo com os inúmeros afazeres, de vez em quando observavam o celular para, quem sabe, receber uma mensagem. O ruim é que ao esperar o outro tomar a iniciativa, acaba por nenhum tendo a disposição necessária para dar o primeiro passo. E para relacionamentos afetivos e amorosos é necessário uma colher de amor e uma xícara de loucura. Assim, o celular da moça “vibrou”. Um emoji de rosa e oração.

 A antítese de amor e esperança de ter feito a coisa certa. O medo de ser inseguro e impulsivo. Talvez o coração poeta seja assim mesmo, um pouco intempestivo. Queria demonstrar interesse, mas não desespero. Agora, já era, pois não tinha certeza se havia feito bem ou se estragara tudo de vez. Mas, para sua surpresa, recebera de volta um emoji sorrindo. Para ela, um ato de carinho e boa vontade. Adorava ser mimada, independente se havia interesse ou não. Afinal, poderia dar

 “match” ou ficaria na amizade.
 “Oi, tudo bom? Espero que sim!”
 “Ah, estou sim! Obrigada! E você?”
 “Bem, melhor agora, falando contigo!”
 “Que fofo! Rsss”
 “Está trabalhando?”
 “Sim! Desde cedinho!”
 “Ah, no que trabalha?”
 “Sou pedagoga! E você, o que faz?”
 “Sou artefinalista! Trabalho mais à tarde!”

 O engraçado de uma conversa é os dois não saberem o que o outro faz, verdadeiramente. Mas, enfim, o importante era conversar.

 “Enfim, vou lhe deixar trabalhar. À noite nos falamos…”
 “Certo! Obrigado por entender! Até depois!”

 Mandaram um ao outro emoji de beijo: outra boa coincidência: eram carinhosos. Quando se está ansioso, parece que o dia demora a passar.

Continua…

Por JEFFERSON SOUZA

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