CONTOS E MINICONTOS – Uma Eternidade Verde por Elizete Ferreira

CONTOS E MINICONTOS – Uma Eternidade Verde por Elizete Ferreira

É um pesadelo! É isso.

Olhei para um lado, para o outro, e repeti:

_Isso só pode ser um pesadelo!

Era assustador! Mas não era real.

Eu estava mesmo ali!

Cercada por árvores enormes, quase encoberta por lama, galhos, folhas e outras coisas, e sentindo dores terríveis por todo o meu corpo!

Gritei por socorro várias vezes!

Quando compreendi o que havia me acontecido, achei que ia enlouquecer de tanto medo e desespero!

Voltei a gritar apavorada!

_Cadê todo mundo?

_Onde estão vocês?

_Eu preciso de ajuda!

_Por favor, respondam!

Oh meus Deus, me ajude!

Durante horas, nada. Nem uma resposta!

E chorei muito!

E pensava.

Ah meu Deus!

Caímos…

O que será que aconteceu com os outros?

E tentando controlar o pânico que já começava a me aterrorizar, respirei fundo e tentei me concentrar na situação.

 Eu tinha que sair dali, fosse como fosse e logo!

Mas, como?

Com muito sacrifício e depois de várias horas, sai me arrastando à procura das várias pessoas que viajavam comigo naquele avião, eram alunos e professores e os tripulantes do pequeno avião, fazíamos um vôo panorâmico sobre o Parque Nacional do Pico da Neblina, estado do Amazonas região norte do Brasil.

Mas tentando me convencer dizia em pensamento:

Virão nos socorrer! Fique calma.

O tempo foi passando e nada. Ninguém.

Já estava escurecendo, quando avistei um pedaço do avião e logo depois fui reconhecendo os corpos…

Todos que encontrei, estavam mortos.

Era uma cena mais chocante que a outra!

Não consigo traduzir o que senti naqueles momentos!

Foi muito difícil entender que apenas eu tinha sobrevivido, daquele acidente.

Era um misto de alegria, tristeza, dor e todos os medos juntos.

A noite chegou chuvosa e me abriguei sob os restos do avião, tentando ter um pouco de alento, naquele ambiente hostil.

Só me restou chorar e esperar, que aquela noite de horror, terminasse!

 Quantos dias fiquei ali perto dos destroços esperando por ajuda? Não sei dizer. Porém, já não tinha mais sentido continuar no local, já não havia mais o que comer, a fome me atormentava, tinha que buscar alimento…

 Eu já não tinha esperança de ser encontrada e nem condições de escolher, eu tinha que sair daquela selva!

Esperei pelo sol, (meu maior aliado) eu já conseguia caminhar, embora devagar ainda, então peguei a manta, (ou colcha) a faca serrilhada (lâmina de 20 cm) de cortar pão e o isqueiro, coisas que estavam no avião, e sai rumo ao desconhecido, mata a dentro.

Caminhei por horas, por dias, do amanhecer até escurecer, fui mordida por todo tipo de inseto. Não desancava nem um segundo. Estava toda cortada pelas plantas e galhos das arvores, os meus pés já não tinham mais onde machucarem, mas, o que mais doía era a “aquela” SOLIDÃO!

Tinha momentos de total desolação.

Sentia uma saudade muito intensa de tudo e de todos ao mesmo tempo!

Tudo me fazia falta. Meus Filhos, meu Marido, meus Pais, meus amigos, minha casa, minhas coisas, a comida, e bebidas, da claridade, de mim mesma, até do barulho dos automóveis e outros sons!

Só avistava mata, rios sem margem, apenas vegetação, arvores, raízes, folhas e material vegetal, Insetos, cobras, aranhas, bichos de todas as cores e tamanho.

A minha rotina virou um tormento entre: criar um abrigo para me proteger da chuva, do vento, do frio, de predadores, e a procura por água e comida, juntar lenhas e preservar o fogo, queimar folhas verdes, produzindo fumaça, para espantar os mosquitos e quem sabe alguém através dessa fumaça, me encontraria…

A comida era: frutos, (restos, que os macacos e os pássaros deixavam cair), sementes, raízes, brotos de várias plantas, bichos, “peixes” (utilizando a faca, fiz uma peneira, com tiras de taboca trançadas) e pescava nos alagados, e tudo que parecia comestível, aliás, o sabor da comida era o que menos importava, era preciso aliviar dor da fome que me dilacerava dia após dia!

Por muito tempo, usei a colcha como uma “rede”, (presas pelas pontas com cipó), e amarrando-as entre duas arvores, era à cama e o abrigo contra os insetos.

Os perigos eram inúmeros e constantes, uma tarde de sol, estava pegando galhos secos, (fogo) quando de repente ouvi um estralar nas folhas, a minha frente, olhe com atenção e vi a cara de um animal parecido com uma onça pintada, foi muito rápido, eu quase morri de medo!

 Corri, até o pé de uma grande árvore e me encolhi entre as suas raízes enormes, tremendo muito! Eu mal conseguia respirar!

Ainda ouvi o mesmo barulho outras vezes, mas, não vi nada, fiquei por muito tempo escondida, e só sai de lá, quando me senti segura e já não agüentava mais a fome. Estes foram os momentos mais difíceis e mais longos de todos!

Em outra ocasião, estava indo rumo a uma clareira, quando ouvi vozes…

Me escondi atrás de um tronco, para observar melhor.

Fiquei paralisada!

Era um grupo de índios, todos nus!!

Eles também seguiam rumo à clareira.

Eu já tinha ouvido muitas histórias terríveis sobre índios!

 E se esses fossem canibais?!!

Eu não movia um músculo, tal era o meu pavor!

Mas eles se foram sem notar a minha presença.

Depois de algum tempo, continuei a descida e descobri que a tal clareira; (era de uma tribo de índios), provavelmente, daqueles…  E que logo mais abaixo, vi que tinha um rio enorme e pensei:

Deve ser o rio amazonas!

E senti uma alegria estranha!

Resolvi que eu ia seguir o curso daquele rio, ele me levaria para casa!

E assim eu fiz, margeando o rio, com grande dificuldade, por causa da espessa vegetação, e dos alagados.

Um dia passando perto de uma moita de bambu, lembrei-me de uma embarcação, que tinha visto em um filme.

Com a ajuda da faca, (agora amolada na pedra) com muito trabalho, cortei vários pedaços de tronco de bambu (dois metros cada, amarrando um, ao outro, com cipó) depois de muito tempo, consegui fazer algo que flutuava.

Eu chorei de contentamento pelo meu feito!!

E lancei-me nas águas daquele rio, com cuidado! Ora parava, ora seguia, dormia, acordava, pescava, chorava, gritava, rezava, reclamava com Deus…  

A beleza da natureza me despertava sentimentos contraditórios! Eu admirava e odiava aquilo tudo, mas respeitava-a e muito.

O convívio com a vida selvagem já me parecia aceitável, os dias passavam lentamente, enquanto as água iam me levando…

De repente aquele barulho era familiar!

Oh meu Deus!

__Aqui!!!

__Aqui!!!

Acenei desesperada, para o helicóptero!

Mas ele desapareceu.

Já tinha perdido totalmente a esperança, quando, na curva do rio, avistei uma embarcação, vindo muito rápido na minha direção, me apavorei, achando que iam me atropelar!

Mas, não.

Eles estavam ali, por minha causa!!!

Eu estava desparecida… (perdida na selva) há um ano e seis dias!

“O pessoal do exército, fazendo uma inspeção de rotina, avistou algo muito brilhante, (um reflexo do sol sobre a faca que estava enfiada num dos bambus da minha embarcação)”.

Por Elizete Ferreira

 

 

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