CRÔNICAS – Ensaio do pescador por Gabriel Pinheiro

CRÔNICAS – Ensaio do pescador por Gabriel Pinheiro

Era um velho tolo e ranzinza, sentado na proa de seu barquinho de pesca todo remendado. Através de seu chapéu de palha, os olhos profundos e negros zapeavam de um lado para o outro, observando a movimentação de uma dezena de turistas gringos, que seguravam seus celulares de última geração e usavam camisetas de marca, ao sol de trinta e quatro graus numa manhã típica em Paraty, eles suavam e suspiravam.

Escunas de todos os tipos estavam ancorados próximas ao cais, faltavam algumas estacas, então era necessário ter atenção ao atravessar a plataforma, mas o velho a conhecia tão bem que sequer olhava para baixo. Acendeu o seu cigarro de filtro vermelho e acenou para alguns colegas de longa data, fez questão de exprimir uma careta feia para os rostos desconhecidos e esbranquiçados dos turistas que, com a língua presa diziam: — Good Morning!

— Diabo de gud moning rapá, vá procurar o que fazer! — Cerrou os punhos e levantou apenas o dedo do meio, dirigindo-o ao rapaz de cabelos ruivos, pele esbranquiçada e barba bem-feita.

O velho era um pescador, tal como seu pai e avô. Capturou seu primeiro espécime no famoso Rio Jabaquara numa tarde memorável. Jazia num bote abatido, em companhia de seu pai. Impaciente, ele perguntou: — Demora muito?

O nome de seu pai era Ernesto, que significava lutador decidido, um parisiense orgulhoso e cheio de opiniões sobre a cidade e como melhorá-la. A idade o alcançou e perdeu as longas madeixas louras aos cinquenta anos, agora o único resquício de cabelo vinha de uma barba esbranquiçada e ressacada que descia até o peitoral. Suas roupas eram simples, um short de tactel preto e uma camiseta azul desbotada. Mantinha-se cheio de opiniões sobre como melhorar a cidade, pois a amava tanto quanto o filho. Com a voz rouca, ele sussurrou: — Faz silêncio garoto, o segredo é ser paciente.

O garoto sentiu uma pequena puxada no anzol, mas sabia pelos ensinamentos do pai que não devia se precipitar ainda. O pai havia lhe explicado que o momento certo para fisgar é uma questão de tato e sensibilidade, é preciso entrar num estado de concentração profundo, sentir a dança da água ditada pela corrente e pelo vento,  manter as mãos firmes, mas calmas e relaxadas, observar como a linha se movimenta, pois ela é o reflexo das intenções do peixe, para só então, puxar a linha.

Em suas mãos, uma cioba minúscula se debatia, os olhos do garoto brilhavam enquanto ele acariciava as escamas avermelhadas. O pai pegou um facão que repousava no canto esquerdo do bote, bateu com a palma da mão nos cabelos do filho. — Olhe bem nos zóios dele, não deixe ele morrer sozinho. — Fixou-se no negro e esbugalhado olho do pequeno ser, que parecia conter o infinito dentro deles.

A pequena boca do peixe, que antes se contorcia junto com a cauda, silenciou-se quando o pai acertou um golpe letal na cabeça da cioba com a ponta de seu facão.  — Não faz sentido fazê-los sofrer, tá bom? Um golpe limpo é o suficiente.

O velho sorriu, lembrando-se de seu pai e dos bons momentos que viveram juntos. Um bom homem, honesto e justo, pensava ele, enquanto coçava seu gigantesco bigode com as pontas das unhas.

Por GABRIEL PINHEIRO

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