CRÔNICAS – Espelho de Frida por Grazielle Mendes

CRÔNICAS – Espelho de Frida por Grazielle Mendes

Acho que estava só passando, quando aquela imagem estancou minha pressa e voltei para confirmar: envelheci. Não que já não tivesse notado, mas não havia reparado o quanto. É que há muito tempo não me olhava no espelho, pelo menos daquele jeito.

Não que eu fuja dele, mas porque me acostumei com esse pedaço de vidro apenas como coisa, utilidade doméstica: para checar se o vestido não mostra demais, as pernas não estão muito brancas, o sutiã aparecendo, o decote não ofende ninguém, o batom condiz com o currículo, enfim, se cada assunto está no seu lugar.

Naquele dia, foi diferente. Parecia que meu cansaço se recusava a mimetizar as exigências da agenda e as sombras trancafiadas no reflexo começaram a rebelar-se. Rugas laterais esticaram unhas ressentidas e acusaram violentamente minha desídia estética.

Os malditos cremes que você começou a usar mil vezes! Tem certeza de que não vai aceitar botox? Lembrei que esses sulcos vingativos têm nomes. Pés de galinha, boca de marionete, bigode chinês.

Como nós, mulheres, somos cruéis com nossas próprias marcas! Por que não podem ser leques ou parênteses? Nomes que rimem em versos, ao invés de carimbos secos a empurrar, aos trancos, nossa autoestima para o abismo.

Meus pés derraparam e frearam à beira do precipício.

Lá embaixo tudo parecia calmo.

Ergui a cabeça em sobressalto.

Fiz um bico para olhar os dois lados, forcei um sorriso de circo e mostrei as gengivas de baixo e de cima.

Embiquei o queixo indômita. Conferi o pescoço.

Balancei a cabeça para aprovar os dentes, grandes demais como os do meu pai. Ainda bem que não puxei as olheiras dele, coitado, eram fundas como seus arrependimentos. Também tenho muitos, mas já me desculpei por quase todos, eu acho.

Dos cabelos brancos eu gosto. Levam-me de volta para estradas em sépia, onde perdi e encontrei o caminho de casa.

É só idade ou cansaço?

Os dois responderam ao mesmo tempo. Muito café, pouca água.

Assisti meus braços arrastados pela correnteza.

A raiva fez aspas em minha testa. Elis demais; Paulinho demorou a chegar.

Os sorrisos sempre fecharam meus olhos, não ligo, facilitam a saída.

Uma miríade de imagens embaçou lembranças inventadas. Pés gigantes pisotearam os vidros do tribunal. Antes que alguém roubasse o martelo, antecipei meu próprio veredito: até aqui, fiz o melhor que pude. Foi lá grandes coisas? Foi o que consegui.

Eu sei, preciso tomar mais água e me importar menos.

Não, café não dá para cortar. Nem vinho.

 A expectativa? Vou continuar tentando.

Posso me acostumar com os cremes. E com o perdão.

Por GRAZIELLE MENDES

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