CRÔNICAS TONS DO COTIDIANO – Aceleração do tempo, silêncio e gentileza

CRÔNICAS TONS DO COTIDIANO – Aceleração do tempo, silêncio e gentileza

Olá a todos, estou assumindo a Coluna Tons do cotidiano, substituindo a colunista “Flávia Joss”. Para mim, um desafio e, ao mesmo tempo, uma honra.

Escolhi três temas para refletir: aceleração do tempo, silêncio e gentileza. Contei com a parceria da minha amiga, mestre e mentora “Mell Renault”.

O que dizer sobre a aceleração do tempo, a pressa das horas e o acúmulo de tarefas para um dia, que parece ter apenas 16 horas?

Autora convidada:

Mell Renault, escritora, mineira de Belo Horizonte. Tem mais de 10 livros publicados entre eles: Flor de Sal, A Remota Convenção das Mulheres e seu novo romance Na Véspera do Tempo, Redemoinho pela Mondru Editora.

 

 

Aceleração do tempo

Ando rápido e por isso meus pés doem tanto. Falo rápido e por isso às vezes não sou compreendida. Não penso, apenas faço e nisso queimo etapas importantes. Pensando julgo e nisso queimo pontes que poderiam ser construídas. Não,  posso culpar a aceleração do tempo, já que cabe a mim, aceitar e seguir no fluxo ou entrar no turbilhão. Não, posso culpar o tempo, ele passa da mesma forma para todos, porém sábio é quem sabe dele aproveitar. Então, diante disso tudo, apenas me resta o silêncio e esperar que um dia eu saiba fazer uma pausa.

                                                                                                                Danyelle Schetine

 

 

 

As horas

As horas do dia não comportam meu coração. Não cabem nelas os compromissos, menos ainda cabem os livros que quero ler, as pessoas que quero abraçar, os assuntos que preciso pôr em dia.

Nessa aceleração onde tudo corre mais que rio cheio e abundante, esqueço que o tempo é outro. É o do presente. Do estar presente no instante exato que se faz. Não é abarcar tudo, não é assumir tudo, não é querer que tudo caiba nessas 24 horas de um relógio capenga. É outro o tempo. É se fazer caber no tempo possível. Estar inteira. E isso basta. É só.

                                                                                                              Mell Renault

 

 

Será que conseguimos estar presentes, pausar? Convido que peguem uma xícara de café ou chá e que sigamos refletindo, agora sobre o silêncio.

 

SILÊNCIO

O silêncio que me cabe é sempre o da TV ligada, mas sem as crianças em casa. É a casa limpa, porém vazia. É um livro inteiro para ler e a falta do excesso de mãe ao meu redor. O silêncio ainda me dói e me parece castigo. Aquele quando a Net acaba e não tem como saber se interagiram no Instagram ou se alguma mensagem chegou no WhatsApp. Aquele momento na rua, sem sinal de wifi e sem dados móveis, que você nem precisa pegar o celular da bolsa. Aquela página de diário em branco, porque não há nada para divagar. Silêncio é aquele fim de semana que você gostaria de sair, mas não tem ninguém para convidar. É o saldo bancário zerado e vinte dias de espera pelo próximo salário. O silêncio ainda grita muita coisa, que eu tento não escutar. Será que é assim para todo mundo?

                                                                                                                Danyelle Schetine

 

Música do mundo

Queria uma melodia capaz de colocar ritmo nos dias. Gostaria de uma música que fizesse emendar noite e dia, numa sinfonia única. Desejaria uma seresta para enfeitar os fins de tarde. Queria um conserto de flautas doces para encontrar passarinhos no meu quintal. Queria ouvir o som do mundo.

Respirei profundamente e eis o susto: havia melodia nas coisas. O mundo executa uma bela melodia. Mas para ouvir é preciso calar a voz de dentro e deixar o silêncio ser preenchido pelas sinfonias do cotidiano.

– Estou ouvindo. Escuta?!

– O que canta no seu mundo?

Na minha casa, o silêncio é som de rio que almeja o mar. E sábias que ampliam em seus cantos as minhas manhãs. Ouço.

 

                                                                                                                 Mell Renault

 

 

Depois disto, um gole de café e silêncio para pensar nas gentilezas. Vamos lá?

 

Lições sobre a falta

Não conheci Gentileza até a música dos Tribalistas. Não conhecia a gentileza até entender que sou feita desses pequenos momentos de amor. A gentileza de estar viva, ter chegado até meus pais adotivos, a professora que me ensinou as primeiras letras. O olhar encantado da minha família nas apresentações da escola, o olhar dos meus filhos enquanto mamavam. Eu ainda tento aprender sobre a gentileza: abrirem a porta para que eu passe, segurar as compras, dar a mão para poder descer de um lugar alto. Instintivamente cresci achando que fiz meu próprio parto, aprendi tudo sozinha, fui minha plateia, fiz minhas coisas e que nunca houve ninguém ao meu redor. Instintivamente não poderia estar mais errada, e hoje tento ver os sinais da gentileza nas minhas horas. Tem coisa que a gente só consegue observar após saber que existe. Assim como o ar, que sempre esteve ali, mas antes de pensar em sua existência, jamais pude observar em profundidade. Hoje, meus olhos, ouvidos e tempo, estão na busca das gentilezas, e você?

                                                                                                                                           Danyelle Schetine

 

Delicadeza

 

Uma flor na mesa do café da manhã. Um bilhete de boa sorte, um chocolate na bolsa. Um telefonema no meio da tarde. Uma rosa encravada na página de um livro, um abraço de pensamento.

Na megalomania desse mundo digital, onde tudo tem que ser espetáculo grandioso, preservo no meu canto, nesse canto no fim do mundo, a gentileza dos pequenos gestos, eles acabam por deixar bem vivo, o amor.

                                                                                                                                                  Mell Renault

 

 

E com muita calma, silêncio reflexivo e muita gratidão, neste coração que aprende a ser gentil, me despeço de vocês.

– Foi um café muito produtivo!

Por DANYELLE SCHETINE

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