ESCUTA – A dança da ansiedade

ESCUTA – A dança da ansiedade

A DANÇA DA ANSIEDADE

 

Quando minha vida rodopiava e eu não sabia como me equilibrar

 

Eram madrugadas cheias de tudo ou cheias de muito vazio. Eu não sabia distinguir muito bem qual era um ou outro pela alternância que aconteciam, mas eram enlouquecedoras. Logo eu, que sempre adorei dormir, tinha medo do sono, do sonho, de não querer acordar.

Algo subia no meio do meu peito e tentava atravessar a garganta, me deixava ofegante e, na verdade, não tinha lugar por onde sequer passar o ar. Não tinha folga, nem silêncio. Não havia calma neste estado de alerta contínuo, não existia proximidade de paz, mas intimamente pensava que era melhor do que a possibilidade de não acordar mais.

O travesseiro me perguntava sobre o que discursaríamos naquela noite, mas as palpitações tumultuavam tudo outra vez. O monólogo silencioso tinha hora marcada e só silenciava quando findavam as alternâncias de embate com a madrugada afora. O baile não tinha hora para acabar.

A gente sabe que é durante o sono que o organismo exerce as principais funções restauradoras do corpo e da mente. Mas eles pareciam não se importar em ter uma trégua. Meu corpo e mente diziam sim automaticamente sem saber que estavam levando-os para longe de onde pudesse me equilibrar. Como se não houvesse outra alterativa, eu era pega pela mão e obrigada a rodopiar.

Então, pela primeira vez, precisamos pedir ajuda: meu corpo, minha cabeça, minha mente e por fim, meu coração, que parecia querer colapsar pelo menos uma vez por semana de tanta ansiedade.

Apesar da intenção ser boa, a primeira ajuda foi medicamentosa e piorou o quadro. Aquela que parecia um zumbi, agora não conseguia mais acordar. Neste período, os medos se alternaram, os sonhos diminuíram, os pesadelos aumentaram e ninguém parecia entender nada.

E até encontrar um time com disposição para reparar além do que poderia ser visto superficialmente a olho nu, os dias, as dores crônicas, o medo e a dançarina da vez me visitaram com bastante frequência.

Minha vida nunca tinha estado tão irreconhecível com o que eu gostaria que ela fosse. Nunca tinha olhado para ela com vontade de que ela fosse outra coisa como naquele tempo. E parecia ingrato, mimado e leviano sentir tudo aquilo. Hoje, com lucidez e muito mais clareza, me isento da culpa e afirmo com propriedade que, o processo do tratamento e o aprendizado de como lidar com ela, não é tão simples como pode parecer.

Em breve, espero também ser para alguém a corda em que possam se agarrar, a presença branda, a concretude de que tudo pode mudar de lugar, porque pode. É possivel sair desse lugar triste e tiranizado pelo medo e caminhar para outro patamar, onde a ansiedade nao terá mais o poder de controlar a sua vida.

Não à toa eu escolhi começar meu primeiro texto relatando uma das minhas próprias crises para a coluna ESCUTA. Eu amo a vida e falar sobre ela, como de fato é, com todas as nuances que ela tem. Amo gente e comportamento.Teremos tempo para falar sobre os mais variados assuntos por aqui, de coração aberto, com a escuta ativa.

Nos últimos tempos estive pensando o quanto sempre achei encantador observar no outro os seus medos disfarçados, implícitos ou negados, admitidos normalmente em momentos de cumplicidade e desamparo. Pensava nisso quase como um convite subentendido a partilhar, talvez porque quisesse encontrar o eco de um mesmo grito ali. Acho fácil se identificar com isso porque no fim das contas, com ansiedade ou não, queremos nos sentir acolhidos em nossos sentimentos e anseios.

Não há razão para que sintamos constrangimento. O disfarce é o pior dos mundos para quem sofre de ansiedade, não porque seja uma missão quase impossível, mas porque não faz sentido fazer um esforço descomunal na tentativa de fingir que ela não está ali.

“De forma prática, a ansiedade é um sentimento desencadeado pela emoção de medo e tem a função de nos proteger. É um radar para detectar “perigo” de qualquer ordem, como se fosse um alarme de incêndio. Nosso corpo entra em estado de alerta, desencadeia reações fisiológicas, inclusive, para que a gente reaja para nos protegermos. A grande questão é que, por diferentes razões, o nosso alarme pode ficar desajustado e intensificar a detecção de perigo, desencadeando reações desproporcionais em termos de intensidade, o que acaba nos fazendo mal”, esclarece a psicóloga Danielle Almeida.

Os transtornos de ansiedade são mais comuns do que se imagina hoje em dia e podem se apresentar de maneiras distintas, porque é o que somos, seres singulares. E é sobre essa singularidade que gosto de ouvir, observar e falar, porque em cada rosto, em cada gesto, em cada escuta, há um universo inteiro a ser descoberto e que se difere para cada um de nós.

Robert L. Leahy, um dos terapeutas cognitivos mais respeitados do mundo e autor do livro “Livre de Ansiedade”, menciona que de certa forma o tratamento para ansiedade é como uma arte, porque saber como lidar com ela pode ser aprendido e praticado de maneiras diferentes e até mesmo por conta própria. Com isso, ele não quer dizer que não devamos procurar ajuda, obviamente. Mas reforça que temos hoje uma oportunidade não vista antes, já que a psicologia tem aprendido e evoluído muito com relação ao assunto ao longo dos anos, e sabe a forma como a ansiedade opera no nosso cérebro assim como os padrões comportamentais que ela nos gera. Isso permite que aos poucos aprendamos a identificar os sinais, os sintomas e como agir, sem precisar reagir o tempo todo de forma assustada.

Segundo a psicóloga Danielle Almeida, o consultório é um reflexo da sociedade e está mostrado, assim como as pesquisas, que as pessoas têm se sentido mais ansiosas nos últimos anos. Ela acrescenta que a OMS divulgou, em junho, um relatório apontando aumento superior a 25% para casos de ansiedade no mundo, e complementa: “Em saúde mental percebemos que não existe apenas um fator específico, e normalmente precisamos atribuir correlações entre vários fatores ligados à: ambiente em que vive (família, cultura, sociedade, níveis de violência a que está exposto), estilo de vida, visão de si mesmo, personalidade, expectativa que tem sobre o futuro e, claro, questões fisiológicas. Esses fatores combinados é que vão impactar as pessoas individualmente.”

A ansiedade é uma condição psicológica comum, embora se manifeste de forma diferente, com estimulos e situações distintas para cada um de nós. E por essa razão existem categorias diferentes de transtornos de ansiedade, que vão ajudar os especialistas a optarem por um tratamento único, adequado a você.

Não ignore os sinais. Vale sempre observar se existe ou não um motivo especifico para o tipo de sofrimento emocional que estejamos sentindo e se essa manifestação é mais constante, intensa ou não. Saber qual é o limite de uma ansiedade tratada como comum para a que excede a normalidade é importante para que uma eventual crise não seja negligenciada. Quando o quadro passa a gerar algum tipo de prejuizo, dificultando, impedindo que atividades habituais sejam cumpridas com tranquilidade, esse limite normalmente já foi excedido.

Pare o que você está fazendo e olhe para você. O que você vê?

Acredite, quando a gente para e se auto avalia, somos capazes de notar coisas inacreditáveis sobre nós mesmos. Eu notei alguma coisa errada, um vazio maior do que poderia caber em mim. Uma dor paralisante, um aperto desrespeitoso. Vinha em dias alternados, mas com frequência e intensidade que tornavam situações simples, perturbadoras.

Parecia a ilustração comum de uma vida corrida e desassossegada, mas o acesso a algumas pessoas me deixava como num beco encurralada, eu tinha um ar desconcertamente, um silêncio engasgado querendo gritar e não via a hora e por onde escapar.

Há um acesso, um caminho, e ajuda psicológica vem sendo cada vez mais desmitificada. Danielle recorda que “a pandemia colocou um holofote em uma das nossas principais emoções ligadas à sobrevivência: o medo. Junto disso, o isolamento contribuiu para que as pessoas sentissem outros sentimentos que aumentam a vulnerabilidade, como angústia, solidão, que contribuiu imensamente para a necessidade de cuidar das emoções.”

A disponibilidade para visitar um especialista, investir tempo e vontade para encarar o processo de autoconhecimento antes que algum transtorno apareça é algo que vem acontecendo com maior frequência. O acompanhamento psicológico é uma jornada valiosa de auto cuidado e amor, que valem à pena.

Para quem tem interesse maior no assunto, está disponível na Netflix a série entitulada “Explicando a Mente”. A série questiona a possibilidade de estarmos cada vez mais ansiosos, abre discussão para o papel da tecnologia, redes sociais, questões medicamentosas e terapeuticas nas nossas vidas. Tudo isso com dados científicos embasando os argumentos apresentados. Vale a pena assistir!

 

Para você que não tem, mas convive com quem sofre desse mal, o seu silêncio também é pertencente, é acolhimento, é lenço do choro vergonhoso, da vontade de dizer o que não se sabe. Quando temos alguém que consegue apenas estar, faz com que nos sintamos seguros em ser, independentemente de como estejamos.

O olhar pode parecer distraído, mas há um mundo inteirinho ali escondido… um mundo que nem sempre a gente pode ver. Então, mais uma vez, pare o que você está fazendo e olhe direito, olhe para o lado, tenha um tempo para ver, para observar, fazer do outro um lar.

Seja mais que um corpo falante, que um profissional abundante… seja, ser, humano. Humanize sua caminhada, perceba que há muito além de você.

Nós sabemos que ninguém é obrigado a amparar ou compreender o outro caso não queira, sabemos o quão bagunçado anda esse mundo. De qualquer modo, respeite. Essa é a palavra de ordem que anda em falta.

Respeite o silencio do outro e qualquer movimento que seja desconhecido para você. Respeite o universo que não é seu.

Independentemente de que momento as pessoas estejam, se você sabe ou não a respeito, ou qual o grau de relação vocês tenham, respeite. Não trapaceie a vida querendo chegar mais rápido, não finja que não ouve o barulho que você causa na vida de alguém. Se não puder colaborar, não atrapalhe. Seja o melhor que puder ser. Mas seja hoje. Seja todos os dias. Não há tempo para se arrepender.

Cuide de você, fique atento e procure ajuda. Sempre há alguém disposto, pode acreditar! E claro, onde houver gente atrapalhando a sua jornada, contribuindo de alguma forma para o seu adoecimento, “não te demores”.

Conte comigo e seja bem vindo a ESCUTA!

Por THAIS DE MIRANDA

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