NOSSA LITERATURA Virtudes Poéticas

NOSSA LITERATURA Virtudes Poéticas

Gratidão

 

Há quem diga

que o destino a Deus pertence

Há quem afirme

que as histórias são escritas

Existe uma realidade

que se encarrega

Existe uma razão

chamada amor

Assim, vidas se concretizam

em corações que se apertam

e se expandem

para expressar gratidão

 

Assim me apresento a vocês, caros leitores. Agradeço sinceramente pela oportunidade de expressar minha paixão por transmitir nuances e virtudes da natureza humana por meio da palavra escrita. A poesia é revolucionária quando expressa verdades que ultrapassam o coração do homem. Ela traduz os sentimentos mais emblemáticos, como se pintasse fio a fio essa natureza.

Cada palavra aqui é destinada a cada um dos meus leitores, amigos e amigas. Sinto-me profundamente honrada pela oportunidade de contribuir para a Revista Internacional The Bard e reconheço o carinho, atenção e incentivo oferecidos por todos. Espero que desfrutem da leitura e sejam inspirados pelas palavras aqui publicadas.

Márcia Neves

 

Virtudes poéticas

 

Virtudes são definidas como aquilo que pode levar o ser humano a agir de forma positiva e necessária. Por outro lado, poética se refere às técnicas, estilos e características que compõem a arte da poesia. Esses elementos podem incluir a habilidade de expressar emoções de forma vívida, criar imagens sensoriais poderosas, transmitir profundidade e significado, dentre outros aspectos relacionados à poesia. Dessa forma, o conceito de virtudes poéticas reforça a ideia de que, embora cada escritor desenvolva sua própria poética (de forma singular), a poesia tem a capacidade de expressar as mais diversas dimensões da natureza humana, bem como de transmitir através do verdadeiramente belo e quase que incontestável, a necessidade do ser humano de expressar suas ideias e emoções de modo muito particular e íntimo.

Não existe melhor justificativa para isso, que o metapoema Autopsicografia de Fernando Pessoa (um dos mais importantes escritores portugueses do modernismo e poetas de língua portuguesa, o qual se destacou na poesia, com a criação de seus heterônimos sendo considerado uma figura multifacetada. Trabalhou como crítico político e literário, foi editor, jornalista, publicitário, empresário e astrólogo).

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Almada Negreiros (1893-1970). Retrato de F. Pessoa. 1935. in Presença, nº 48, 1936.

Em sua função metalinguística e poética, com versos heptassílabos, rimas cruzadas, e algumas figuras de linguagem, como a metáfora, Fernando Pessoa consegue nos mostrar a altivez dos sentimentos e pensamentos do homem no ato da criação do próprio texto, e o quanto a poesia é capaz de nos conectar com o mundo e o mundo do outro. Observa-se que o fingimento mencionado por ele na primeira estrofe, isenta qualquer possibilidade da não verdade ao expressar-se como instrumento da criação literária e do encontro de suas particularidades (eu-lírico) com as do leitor; além disso, é um poema que nos mostra a concretude das abstrações no campo linear da poesia entre emoção e razão ou vice-versa. Logo, o coração é o responsável por entreter a razão e fazer com que nos reconheçamos nesse ínterim, entendamos o mundo em nossa própria realidade e não fujamos de nós mesmos.

Vivemos em um mundo onde tudo parece girar em torno do dinheiro e do lucro. Isso nos leva a manter estereótipos e status, muitas vezes esquecendo da beleza da poesia e da arte. Assim, é fácil perceber os motivos pelos quais tanto se discrimina ou rechaça a poesia no dia a dia, uma das principais causas que me faz escrever: defender a poesia como recurso de resgaste da condição humana, tendo em vista as dimensões desse gênero e o infinito de possibilidades que ela nos oferece, principalmente por meio da escrita. De fato, a poesia deveria ser, mundialmente, incluída nos clássicos, uma vez que já é parte de nossas próprias dimensões.

Virtudes poéticas, ainda, é um espaço para circunscrever os fundamentos e plurissignificação da arte do fazer poesia. Não existe “linguagem” (pois, assim a considero) mais capaz de dizer e de se fazer entender como a poesia. Tão plural e tão arte que se estende desde o particular ao coletivo, e se adapta a toda e qualquer diversidade para além da escrita. Sem contar que é um campo de extrema e infinita liberdade, um verdadeiro empoderamento literário.  

Carlos Drummond de Andrade, poeta, contista, farmacêutico e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX, em uma de suas poesias consegue nos mostrar o quanto a poesia já é parte de nossa própria natureza:

Gastei uma hora pensando em um verso

Que a pena não quer escrever

No entanto ele está cá dentro

Inquieto, vivo.

Ele está cá dentro

E não quer sair.

Mas a poesia deste momento

Inunda minha vida inteira.

Segundo Tanella Boni (Costa do Marfim), poetisa, romancista, filósofa e autora de livros infantis, “a arte não raciocina”, pois pertence ao campo das emoções, abstrações e imaginação, mas pode ser considerada, como qualquer outra forma de criação artística, um dos pilares da humanidade, devido ao fato de exercer papel fundamental na formação do sujeito (um verdadeiro fides et ratio), independentemente de qualquer diferença, crença, lugar, religião etc., e seguir caminhos abstratos relacionados aos sentidos, o que acaba por transmitir, sobretudo, conhecimentos e valores humanos (contemplação da verdade). Leva-se em consideração, todavia, a voz humana como sendo uma das mais ricas fontes de informação e emoção.

Pesquisas atuais reforçam a ideia de que os diferentes tipos de emoção surgem de um processo de construção, operações psicológicas básicas, como a percepção, atenção e memória, são elementos necessários para atribuição de um significado emocional diante de fatores linguísticos e principalmente sociais.

Existe distinção entre emoção e sentimentos, embora, muitas vezes, faz-se congruência dessas duas expressões. A emoção funciona em curto espaço de tempo, o que assegura a possibilidade de ser, de fato, resultado de provocações (estímulos). Enquanto que o sentimento soa com mais profundidade e longo prazo. Ainda de acordo com Tanella Boni, emoção é reação e sentimento é construção. Logo, reafirma-se a condição da poesia como virtude, sendo ela provocada e sentida, dando capacidade ao homem de organizar as duas coisas.

Virtudes poéticas não tem a intenção de trazer aqui conceitos epistêmicos, tampouco miméticos; não defende a ilusão, nem nenhuma idealização da realidade; não se restringe a determinada época, nem escola literária. Virtudes poéticas é a nomeação das possibilidades de manifestação do homem e entendimento do mundo por meio da linguagem mais ampla e mais capaz de traduzir o coração e o pensamento do homem (a poesia) em sentido único, em todas as dimensões por necessidade e em tempo real; dessa forma, um diálogo com a poíesis. 

O homem que aprendeu a ler e a entender um poema, é um homem que aprendeu e entendeu a necessidade de ser livre enquanto pinta sua própria história. É um homem que entendeu que é ele a escultura (materialização) da própria poesia, logo, precisa se entender. É alguém que entendeu que “é necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade”, como bem disse a Psiquiatra alagoana Nise Magalhães da Silveira (1905 – 1999). 

Segundo Olavo de Carvalho (escritor e filósofo brasileiro – 1947 – 2022), a maior virtude literária não é “escrever bem”, mas dar voz aos fatos mudos da experiência…” para isso, utilizar-se de uma linguagem capaz de dizer e se fazer entender o que antes nunca fora possível. 

Ante o exposto, que nunca nos faltem virtudes poéticas.

Por MÁRCIA NEVES

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