Origens do Carnaval

Origens do Carnaval

 O texto inaugural dessa coluna dedicada a festividades tradicionais locais não poderia ser outro: sim, vamos falar de carnaval. Mas ao longo do tempo – não se preocupem – vamos juntos (você e eu) percorrer os quatro cantos desse país continental que é o Brasil colocando luz em toda a sua diversidade regional e, em seguida, partiremos numa viagem internacional com esse mesmo intuito. Espero que estejam com todos os vistos e passaporte em dia, porque o que não há de faltar aqui é viagem.

 E por falar nisso, embarquemos agora no túnel do tempo, para entendermos as origens do carnaval!

 O carnaval veio para o Brasil trazido pelos colonizadores portugueses (quem poderia duvidar, não é mesmo?), entre os séculos XVI e XVII e teve como primeira prática o entrudo (que já era praticado em Portugal). Essa brincadeira fixou-se primeiramente dentre as camadas mais pobres na estrutura social colonial no Rio de Janeiro, e ocorria dias antes do início da Quaresma, período de 40 dias que antecede a Semana Santa e é marcado pela contrição e pelo jejum.

 A existência de um período de 40 dias de rigidez e restrição conseguiu condensar o ímpeto festivo da população para as semanas anteriores à Quaresma. O carnis levale, conhecido também como carne vale, surgiu como uma alternativa para que as pessoas pudessem de fato “retirar a carne”, vivendo suas fantasias e personagens, desejos e volúpias, antes que os prazeres carnais fossem retirados por imposição religiosa.

 No entrudo, as pessoas saíam às ruas para sujarem umas às outras, num momento de zombaria que podia ser realizado contra transeuntes que estavam na rua ou que podia focar-se em uma pessoa específica. Essa prática existiu aqui até meados do século XX. Para ser mais exato, o entrudo acabou sendo oprimido por volta da segunda metade do século XIX, após pressão das classes sociais mais elevadas da sociedade.

 Com o tempo, passaram a surgir grupos carnavalescos para conduzir as festas de rua. No século XX, os carros alegóricos e o samba foram inovações derivadas, fundamentais para o carnaval brasileiro, que, desde a década de 1930, tornou-se a festa popular mais importante de nosso país. Vamos lá?

 

Sobre o entrudo

 O entrudo era como um “jogo bárbaro, pernicioso e imoral” (conforme descrito por pesquisadores), que imitava as práticas medievais que antecediam o período da quaresma, carregando ainda tradições pagãs de origem romana, tendo sido praticado no Brasil Colônia e Império.

 Consistia na ocupação das ruas das cidades, mas também dos espaços rurais e mesmo dentro das casas, onde a população realizava brincadeiras nas quais se jogavam água, farinhas e polvilhos, além de outros líquidos como os assim chamados limões-de-cheiro, café, tinta, groselha, lama e até urina.

 O jogo do entrudo era considerado também violento e ofensivo: uma forma de explosão de sentimentos contidos durante o ano todo e com a possibilidade de liberá-los durante os três dias que antecediam a quaresma. Não eram apenas nas ruas das cidades que o entrudo tinha vez, pois também era praticado no interior das casas das famílias de posição social mais elevada que se recusavam a compartilhar as ruas nesses dias.

 Mas havia interação, já que mesmo de dentro das casas, moças que não poderiam comprometer suas reputações com a prática imoral, participavam da brincadeira carnavalesca, jogando águas nos transeuntes que passavam sob suas janelas. Possivelmente, até mesmo o Imperador D. Pedro II tenha praticado o entrudo em seu palácio em Petrópolis.

 Segundo matéria publicada no Folhetim do Correio Mercantil, em 1849, o entrudo se iniciava às 04 horas da madrugada, com um tiro dado a partir do porto, levantando a população.

 Em razão de seus métodos não tão ortodoxos, a elite brasileira, principalmente a do Rio de Janeiro, acabou criando uma campanha pelo fim do entrudo a partir da década de 1840. Não que o entrudo fosse legalizado no período colonial ou mesmo naquele momento da vida urbana da capital imperial. A questão era que, por falta de regras e/ou leis específicas, a polícia não reprimia a manifestação popular. Mas isso mudou, quando a elite iniciou sua campanha contra o que considerava ser um escárnio público que maculava os seus “figurões”.

 O que a elite pretendia na época era também poder festejar o carnaval sem que precisasse ter contato com a manifestação popular do entrudo. O código de conduta moral da elite carioca não poderia ser colocado frente a frente com os métodos do entrudo, sem que houvesse a intermediação da polícia.

 A partir daí o entrudo foi proibido e reprimido nas ruas do Rio de Janeiro. Novas formas de festejo do carnaval foram surgindo, sejam nos bailes mascarados dos salões e teatros destinados às elites ou nos cordões de rua praticados pela população das classes baixas, profanando a estética e conteúdo das procissões religiosas como costumavam – e costumam – ser até hoje.

 

E no resto da Europa? Como funcionava?

 O carnaval remonta à Idade Média na Europa. Era considerado orgulhosamente pelos seus praticantes como um período de subversão da ordem, definida na ideia do “mundo invertido”. As festas carnavalescas, geralmente, saíam do controle do ideal proposto pelas autoridades religiosas. Muitos homens fantasiavam-se de animais e utilizavam máscaras, duas práticas condenadas pela Igreja.

 Era uma festa tipicamente urbana e referia-se ao período do renascimento urbano medieval. Todavia, essa tipicidade não era exclusiva, pois a festa também acontecia nas zonas rurais.

 Havia também (como há até hoje) a prática de homens se fantasiarem de mulheres, além de, muitas vezes, as festas saírem do controle e resultarem em pancadaria generalizada.

 Durante a Idade Média e a Moderna, as festas carnavalescas podiam estender-se por até dois meses, e, muitas vezes, eram entendidas pelas autoridades como uma forma de garantir a ordem social, uma vez que o povo, podendo extravasar seus impulsos e desejos durante o carnaval, podia, depois, ser mais facilmente controlado.

 As origens desse período de festa podem inclusive nos remeter aos povos da Mesopotâmia, Grécia e Roma antigos. Os mesopotâmios, por exemplo, celebravam as Sacéias, quando um prisioneiro era escolhido para substituir o rei (senhor feudal) durante cinco dias. Nesse período, inicialmente, o prisioneiro desfrutava do poder e dos privilégios reais, mas, no fim, era espancado e executado. Em Roma, por outro lado, havia uma festividade conhecida como Lupercália, que era uma festa cujo objetivo era afastar maus espíritos e realizar uma purificação para garantir a fertilidade da terra para o cultivo. Era muito tradicional e teve alguns de seus elementos transpostos para as celebrações do carnaval, segundo informam os historiadores.

 Importante dizer que mesmo as autoridades acabavam por se somar aos foliões, talvez para garantir seu prestígio perante as massas. No carnaval europeu, as festas aconteciam nas ruas com peças teatrais, bailes de máscaras, passeatas de carros alegóricos ou apresentações musicais, por exemplo.

 As brincadeiras e os insultos também eram características fundamentais do carnaval. Um dos insultos mais conhecidos e mencionados pelos historiadores são os “charivaris”, espécie de justiça popular contra quem não se enquadrava no que era considerado tradicional naquela época. Essa parte me incomoda um pouco, porque vejo aí uma festividade chancelando esses padrões de moralidade que perduram até hoje, infelizmente.

 Sendo assim, homens traídos ou pessoas que estavam em um segundo casamento, por exemplo, podiam ser alvo de zombaria pública durante o carnaval. Um grupo de jovens podia ficar na frente da casa de uma pessoa, zombando dela e só saindo de lá se recebesse algum pagamento em dinheiro, por exemplo.

 A partir do século XVI, esboçam-se algumas iniciativas de controle do carnaval por meio de uma associação da Igreja Católica com o poder público. Foram proibidas as festas nas ruas e a realização de peças teatrais, por exemplo.

 Tudo para que a Igreja pudesse conter os abusos comportamentais (sempre haverá alguma Igreja cerceando as festas do povo), e para que o poder público pudesse ampliar o seu controle sobre as massas.

 

E se colocarmos uma lupa sobre o Brasil?

 O carnaval é uma das festas populares mais conhecidas no mundo ocidental, sendo a maior festividade do Brasil. Ao longo do século XX, uma série de ritmos e danças passaram a fazer parte do carnaval brasileiro. Atualmente, ritmos como o samba, o maracatu e o frevo são seus símbolos.

 O carnaval se solidificou como a principal festa popular brasileira a partir da década de 1930 e, atualmente, conta com os blocos e bandas de rua que acontecem nos grandes centros do país, assim como os desfiles das escolas de samba.

 Tradicionalmente, o carnaval tem como mote a ideia de subversão da ordem, quando as coisas deixam de ser como são, para, temporariamente, assumirem seu inverso.

 Hoje existem diversas formas de se festejar o carnaval, seja no mundo real ou mesmo no mundo virtual. Muito mais organizado, e às vezes até mesmo contando com subsídios públicos e privados, o carnaval se faz presente em nossas vidas, sejamos nós os foliões que enchem as ruas e passarelas, ou mesmo para aqueles que se dedicam a dele escapar para um refúgio bucólico e tranquilo.

 Nas próximas edições trataremos das manifestações carnavalescas brasileiras, um artigo dedicado a cada região do Brasil, para então embarcarmos para o resto do mundo.

 Preparado? Então nos vemos em breve! Dica? Vai preparando confete e serpentina, porque as coisas por aqui vão ficar bastante animadas. Até breve!

Por EDUARDO MACIEL

 

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