PROSA – Clair de Lune por Grazielle Mendes

PROSA – Clair de Lune por Grazielle Mendes

Eu não imaginei que minha maternidade sufocada seria transbordada em pelo.

Nem que aprenderia a caminhar com quem anda em quatro patas, ou enfrentar o medo de escada alta e não desistir de alcançar o último degrau, quando é preciso chegar lá.

Não fazia ideia de quanta surpresa o mesmo quarteirão poderia esconder, mesmo quando visto todos os dias. Nem quantas vezes é possível ter medo e interesse pela mesma coisa. Não tinha dimensão do poder de uma presença silenciosa, quando o peito só quer arrebentar sem explicação. Nunca havia calculado quanto tempo dura um minuto de ausência, para quem realmente sente sua falta.

Não sabia quanta lealdade cabe num gesto, nem quanta ternura poderia sentir só de olhar.

Também não estava preparada para perder tudo de uma vez, plantar o que sobrou molhado, num vaso, no quintal, e ficar só com a cicatriz na pele.

Muito menos pensei que, quando todas as minhas folhas já estivessem murchas, apareceria outro focinho gelado a farejar meus confetes e espalhar todos pela casa, de uma só vez.

Sem me dar conta, meti a colher no prato quente de brigadeiro outra vez.

Quando acordei, todas as cortinas da casa já estavam abertas. A manhã esquentou meu rosto, de repente, como se quisesse me lembrar que é impossível conter um raio de sol, mesmo que não alcance o pedaço de mim onde será, para sempre, luar.

Por GRAZIELLE MENDES

Pular para o conteúdo