PROSA – Esperando a vida passar por Lyvia P. M.

PROSA – Esperando a vida passar por Lyvia P. M.

Dizem que dias ruins se tornam memórias passageiras, e que memórias passageiras se tornam algum riso perdido, aliviado de um fracasso passado que naquele instante torna-se alvo de uma alegria genuína, agraciada com a verdade que o tempo realmente é o médico para aquilo que não se cura. Dizem que dias bons devem ser apreciados, guardados na memória… não, em fotos… vídeos talvez, ou apenas deva curti-los. Difícil. Esquecê-los ou guardá-los, equívocos constantes. Entretanto… ninguém diz sobre o que se faz em dias amenos. Apenas vivê-los à espera que se tornem bons ou ruins? Apenas vivê-los até que algo aconteça, mesmo que não se tenha garantia nenhuma que se pode acontecer. Esperar. Esperar enquanto continua a viver. Esperar. E esperar um pouco mais. Esperar. Em uma pausa lenta e ralentada que parece sem fim, como os ponteiros teimosos de um relógio, que não passam em nada enquanto os olhos permanecem a vê-los, aguardando passar. Esperar. E enquanto espera, perceber que as pessoas dizem muito sobre muitas coisas, ao ponto de a nada dizerem sobre tudo enquanto creem dizer tudo até do nada. Que enfadonho engano. Que forma terrível de se esperar. Devia ter dormido enquanto os ponteiros fixam teimosos, e não mantido meus olhos abertos e meus ouvidos atentos a tantos dizeres que abarrotam minha mente. E nessa superlotação que aguarda esperando, mais um dia se vai consumido pelo vazio de existir sem se caracterizar como indivíduo que respira, como ser que pensa e vive a vida em uma plenitude que nem as páginas de um livro o encantam mais. Nem as páginas. Nem escassos minutos. Nem vozes conhecidas. Não há mistério no desconhecido. Tudo permanece igual, com o pequeno acúmulo das horas mal dormidas e aquele ardor que arranha as entranhas até subir, e novamente ser sufocado com o engolir em seco clássico daqueles que estão acostumados a engolir palavras banhadas na tonalidade nada agradável a paladares sensíveis. “A gente se acostuma” a engolir palavras, até essas se tornarem frases, textos e redações inteiras de um livro mal escrito por pensamentos desgovernados. Porque é mais um dia esperando, até se perguntar pelo que tanto aguarda. O dia! Verdade. Mais um. Mais um. E outro um. Até descobrir se o final será bom ou ruim, mesmo que seja uma história muito longa para se esperar qualquer final ansioso. Longa demais… até para ser classificada como uma simples história.

As pessoas dizem muitas coisas sobre muitos fatos, que se tornam mentira e por vezes verdade. Se tornam pesquisa ou banalidade. Se tornam alguma coisa, mesmo que seja o esquecimento daquilo que um dia já foi. E a então verdade, tão requisitada e elegida como o que se deve crer, deixa de ser tão interessante, quando ela perde seu espectro de supremacia e começa a ter características mais voltadas para aquilo que não se pode ter, quando se entende que talvez ela nunca exista de fato. Então, as pessoas dizem muitas verdades, seja elas qual forem, que dizem muito sobre a vida, seja essa qual for. As pessoas dizem, falam sobre algo… falam… falam… não se cansam de falar. Falam sobre a vida, sobre o que é viver e como será viver. Como se deve viver. Como se deve… deve. Deve. Dever. Dever o que? Dever a verdade, dever a minha existência, dever o resto de significado que ainda me sobra para que se corrompa de forma tremenda a tanta blasfêmia? Dever. Dever. Dever. Dever aquilo que se tem e até aquilo que não se tem, para que em algum lugar, um certo alguém possa sentir a satisfação que nunca fora intitulada para aquele que morreu de tanto tentar. E esse certo alguém possa se gratificar em plenitude enquanto o resto ainda se põem a chorar, lastimando pelo próximo dia, dizendo, afirmando que esse será o último a aguentar o tormento que sempre aguentou. Quantos “últimos dias” não se pôs a dizer, e quantos mais ainda não irá verbalizar. Pensará raivoso, delimitando fim, delimitando limites, delimitando algo quando nunca teve poder de sequer escolher a própria vida. Sofre por sonhos que nunca viveu, por vidas que nunca sonhou e por desejos que nem aprendeu a ter. Decanta seu arrependimento de ter se rendido a outro dia do amargor de esperar por aquilo que nunca aconteceu e não vai acontecer. Porque ele continuou esperando até o fim e morreu de tanto esperar os dias amenos se tornarem comédia ou pelo menos uma memória decente e menos miserável para poder contar. Esperou. Aguardou. Ouviu a todos a esperar a hora certa que nunca chegou e apenas o deixou esperando, até a oportunidade passar rindo a toa da tolice daquele que olhou para o que tanto propuseram como a verdade do que é viver e nem de longe chegou perto da sua verdade em ser vivida. Esperou tanto, que sua carne tornou-se podre, seus ossos viraram cinza e seu sonho permaneceu vivo, amaldiçoando o lugar que tanto esperou viver e pela vida se consumiu ao ponto de nem mais memórias ter a contar.

“Em dias amenos…”, eles dizem, “…aguarde até morrer”, fantasiando palavras para que não digam aquilo que querem dizer. Em dias amenos, amenos de tanto esperar, parado em meio ao cinza dos céus que não serão as mãos capazes de mudar. Em dias amenos, devem ser compostos por noites extraordinárias, ou terríveis, tanto faz. Em dias amenos deve-se jogar dados com Deus e cartas com o Diabo, brincando de ser alguém até um dia se tornar. Porque dias amenos, apenas são os primeiros sintomas da vida banhada em arrependimentos. São aqueles que todos aguardam em esperar pelo momento que tudo será diferente, como se a vida acontecesse por você e não de você, em destinos que não pedem heróis, apenas pessoas que estejam dispostas a assumir o protagonismo sem perderem por esperar.

Por LYVIA P. M.

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