RECANTO DAS CULTURAS TRADICIONAIS – Bumba Meu Boi

RECANTO DAS CULTURAS TRADICIONAIS – Bumba Meu Boi

 Nessa edição da nossa coluna vamos falar do Bumba Meu Boi. Essa festa brasileira é predominante nas regiões do Norte e Nordeste e encarna uma narrativa popular (e por isso importantíssima para o nosso folclore) conhecida como auto do boi. Em geral, essa festividade ocorre em junho.

 A festividade, inclusive, é Patrimônio Imaterial da Humanidade, reconhecimento feito pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Não é pouca coisa não, minha gente!

 

Vamos saber um pouco mais sobre como tudo começou?

 Os primeiros relatos sobre a festividade remontam ao século XVIII, durante a época do Brasil colônia, especificamente na região Nordeste. Nesse período, a região tinha como principal atividade econômica o manejo de gado, para a pecuária. E como o boi é um animal que em si carrega tantos simbolismos culturais ao longo da história da humanidade, isso acabou contribuindo pra consolidação dessa linda festa.

 As festas de boi são inspiradas até hoje pelo auto do boi, conto popular continuamente passado através da oralidade e registros escritos por muitas gerações, trazendo um enredo super peculiar: havia um casal de escravos, Mãe Catirina e Pai Francisco, vivendo em sua servidão forçada no sertão nordestino. E eis que um dia Catirina se descobre grávida. E, por sua condição, ela desenvolveu o “desejo” de comer a língua do boi mais bonito do escravocrata que os mantinha cativos.

 De forma sigilosa, Francisco então rouba o boi preferido do fazendeiro dono do gado, abate o animal e extrai dele a língua, com vistas a satisfazer sua esposa.

 Ao saber do roubo e morte do boi, o dono das terras jura vingança, tomado pela ira, e passa a perseguir o casal de escravos. Fantasticamente, o casal consegue trazer o boi de volta à vida, o que levou o fazendeiro a organizar uma festa para celebrar o feito.

 No auto, são retratadas diferentes mas convergentes visões sobre aquele boi e sua imponência.

 Para os escravos, trabalhadores locais, o bicho ressuscitado era sinônimo de força, pelo que desenvolveram uma sensação de companheirismo com ele. Já para a elite local (como ainda até hoje), o animal significava apenas uma fonte de renda, e um investimento seguro na região, à época. Assim nos conta o conto.

 Repercussões? A princípio, preconceito e repressão à festa, que passou a ser repetida periodicamente pelos escravos, como forma de rememorar aquele momento de trégua entre os escravos e seus senhores. Os registros oficiais dessas festas foram primeiramente encontrados no Maranhão, e o protagonismo nelas era da população preta e escravizada.

 Naqueles tempos coloniais, as elites jamais poderiam concordar com o que viam como uma festa profana, e portanto perigosa na visão deles, vinda das camadas de trabalhadores. Qualquer semelhança com as desigualdades atuais NÃO SÃO mera coincidência.

 No ano de 1861, já no Brasil Imperial, a festa foi proibida, e com isso conseguiram impedi-la de acontecer por árduos sete anos.

 Durante o hiato, passou a vigorar o Código de Posturas de São Luís, pela Lei Provincial outorgada em 4 de julho de 1866, onde se “proibia a realização de batuques fora dos lugares permitidos pelas autoridades competentes”.

 E ainda depois que os folguedos voltaram à cena, os responsáveis pelo Bumba Meu Boi tinham que pedir, usando um requerimento formal como ato, a autorização da polícia para que pudessem levar a cabo os ensaios necessários para que a festa fosse realizada em conjunto com as festas juninas (então autorizadas em razão do seu caráter burguês e religioso).

 Essa burocracia durou até 1913, já no Brasil República.

 Apesar de ser originária do Maranhão, a festividade (oficialmente comemorada em 30 de junho) se espalhou por outras áreas do território brasileiro, assumindo nomenclaturas e particularidades em cada um dos lugares.

 • Boi-bumbá: Amazonas, Amapá , Pará, Roraima e Rondônia. Festa em junho, assim como o Bumba Meu Boi maranhense.

 • Boi de Reis: festejado na época do Natal, no Ceará.

 • Boi de São João: também no Ceará, durante as festas juninas tal qual a origem da tradição. Sim, no Ceará temos festa do boi em dois momentos do ano!

 • Boi-calemba: celebrado em Pernambuco , Rio Grande do Norte e Paraíba.

 • Boizinho: nome da festa em São Paulo e no Rio de Janeiro, celebrada junto com o Carnaval (sobre o que já falamos na edição anterior).

 • Boi de Jacá: derivação da festa em São Paulo.

 • Boi-pintadinho: mesma derivação, só que no Rio de Janeiro.

 • Boi de mamão: esse passou a ser o nome da festa no Sul, que também a celebravam à época do Natal, mais especificamente no Paraná e em Santa Catarina.

 

E como que é a festa do Bumba Meu Boi, no geral?

 Bem, o modelo adotado no Maranhão tem uma grande influência do catolicismo, sendo São João considerado o seu principal padroeiro, pelas razões da repressão à festa no local, lembram? No entanto, os foliões dividem sua devoção também com São Pedro e São Marçal.

 Muito embora a predominância cristã esteja nos simbolismos, o sincretismo está presente ao misturar os santos juninos, os orixás e os seres considerados mágicos. Algumas versões do folguedo contam com cultos afro-brasileiros, tais quais o terecô e o tambor de mina.

 No Bumba Meu Boi, os estilos diferentes dos grupos que encenam o originário auto do boi são chamados de sotaques. O que os diferencia são os ritmos musicais, os figurinos e os instrumentos musicais utilizados.

 Os principais sotaques do Maranhão são: baixada, zabumba, matraca, costa de mão e orquestra.

 

Quais são os personagens fixos envolvidos nessa linda festividade tradicional?

 • Boi: é o principal personagem da festa, e tudo gira em torno dele. A pessoa que conduz o boneco e fica em seu interior durante a festa – haja fôlego – é chamada de miolo. Pitoresco!

 • Brincantes: representam o público, que vem a ser parte fundamental na festividade. É o nome dado a todo aquele que acompanha os festejos, interagindo ou não com os personagens.

 • Casal: Pai Francisco e Mãe Catirina representam os escravizados (ou, em algumas variações, os trabalhadores rurais, que consistem muitas vezes nas reminiscências da escravidão no Brasil). Pai Francisco rouba o boi mais bonito do fazendeiro, o mata e lhe corta a língua para que Mãe Catirina possa comê-la e saciar seu desejo. É bastante comum que Mãe Catirina seja representada por um homem vestido de mulher durante as festas, como elemento adicional ao inusitado.

 • Dono da fazenda: é o dono do boi. Esse personagem é o responsável pela perseguição ao casal que causou a morte do animal.

 • Vaqueiro, índios e caboclos: personagens secundários da história, estão presentes durante a procura ao boi e a caçada ao casal.

 • Músicos: todos os personagens são acompanhados por bandas de diferentes ritmos. O Maranhão, por exemplo, tem a tradição dos chamados sotaques, grupos folclóricos de diferentes estilos musicais.

 

Agora que conhecemos os personagens, vamos então saber quais as etapas a serem percorridas para que a festa aconteça?

 • Ensaio: representa a preparação dos foliões para o folguedo (festividade) do ano.

 • Batismo do boi: ocorre quando o padroeiro da festa abençoa o boi.

 Apresentações: auge da festa, costumam ser realizadas em junho. É comum que as encenações sejam nas festas juninas, mas também podem ser feitas em outras épocas a depender do contexto regional, conforme já visto.

 Morte: é a finalização do ciclo festivo do ano, sendo mais comum no fim de julho.

 

Mas e o Boi-Bumbá de Parintins, tão famoso no Brasil e mesmo fora dele?

 É a versão amazonense da festa original, e foi levada ao Amazonas pelos maranhenses que para lá foram no intuito de trabalhar na extração de borracha, fato comum já no século XX.

 Em 1964, Parintins organizou formalmente seu primeiro folguedo, chamado naquela época de Toada Amazônica. Esse nome se deve à inegável influência indígena e das comunidades tradicionais na área.

 Inclusive, em Parintins, a temática da festa é muito relacionada com a cultura indígena e com as lendas próprias ao Norte do país. A festa é organizada no Centro Cultural de Parintins – carinhosamente apelidado de Bumbódromo, também em junho, como no Maranhão. A diferença é que, em Parintins, os sotaques maranhenses são substituídos pela marujada do Caprichoso e a batucada do Garantido. Essa festa, anualmente, movimenta cerca de 48 mil foliões, gerando cerca de 5 mil empregos. E isso estimula o turismo, aquece a economia e garante, ano após ano, a prevalência da tradição cultural.

 Fantástico, não é mesmo?



Por EDUARDO MACIEL

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