CONTOS – Praça da Sé por Patricia Tischler

CONTOS – Praça da Sé por Patricia Tischler

            Todo mundo sabe que não se cruza a praça da Sé pelo meio. Tem que ir pelas laterais. Só os trouxas desavisados seguem o caminho mais curto. Os trouxas desavisados ou os engravatados apressados, cheios de si demais para serem intimidados por um bando de vadios como nós. Pois muito bem, ninguém mandou duvidar da sabedoria das lendas urbanas.

            Lá vem um bem engomadinho, com sua pasta de couro chiquetosa, o cabelo de gel, terno azul e gravata fina. Assim que chega na lateral da catedral, vê que tem uma viatura da polícia estacionada bem na frente da escadaria e claramente relaxa. O idiota.

            Nem nota que os dois policiais estão de conversa com nossa amiga prosti que, durante o dia, ao invés de ficar tentando arranjar cliente, prefere fazer uns freelas com nosso bando de Róbim Rudi. Agente rouba dos ricos e dá para os pobres mesmo! Para os pobres dos nossos bolsos.

            Então deixa eu contar como funciona, agora que já temos uma vítima. Assovio que nem bem-te-vi, dando o sinal e indicando quem é. Dona Josefa vem lá do lado oposto, em seu passo manco, bem na rota do otário que segue tangente ao Jesus, nosso testemunha de Jeová. Bem, não nosso, ele tá ali pregando a história dele, mas nunca recusa o café que a gente paga no final de um dia proveitoso. Impressionante, não tem um trouxa que não acabe olhando na direção do barbudão em cima do caixote de madeira, gritando sobre o apocalipse e o juízo final.

            Quando o engravatado já está quase no meio da praça, o Luizinho vai se aproximando, sorrateiro, enquanto o Carlos, homem alto e bem fortão, atravessa em passo apressado e dá um encontrão no panaca; Luizinho pega a mala e corre; Dona Josefa, já bem perto, se compadece do moço enquanto impede que persiga nosso ligeirinho, e aproveita para tocar no ombro dele com uma mão e enfiar a outra no bolso do paletó, onde é claro que está a carteira.

            Assim que o homem grita para a polícia, “Pega ladrão”, todos se dispersam, sob meu olhar atento, para ter certeza que tudo saiu como planejado. Afinal, eu que coreografei a parada. E a boca já enche de saliva pensando no bigui méqui que vou jantar. Os polícia? Mal levantaram os olhos dos peitos da nossa colega, mesmo com toda a confusão. Quem mandou cruzar a Praça da Sé pelo meio, babaca.

Por PATRICIA TISCHLER

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