CONTOS – Amor de verdade por Roger Dorl

CONTOS – Amor de verdade por Roger Dorl

Abriu o chat de atendimento da Riven outra vez, mas nada tinha mudado nos últimos dez minutos. Se rolasse a tela para cima, não veria outra coisa além de suas próprias mensagens, seguidamente pedindo “Por favor”, várias vezes por dia desde a semana passada. Em vão.

Aquele tinha sido o primeiro canal de contato dos dois. A princípio, usado apenas para trabalho, mas logo começaram as conversas pessoais, as brincadeiras, as pequenas confissões. Em pouco tempo, Carlos Mauro não passava um só dia sem acessar aquele chat.

— E como você sabe que ela não é uma IA? — perguntou Paulinho, na primeira vez que ouviu falar sobre ela.

Os dois estavam em um bar, assistindo a um jogo do Corinthians, para o qual torciam. Era uma partida tensa, quartas-de-final da Libertadores da América, e os dois já estavam meio altos de cerveja. Carlos Mauro tinha deixado escapar a informação sobre o chat e já estava arrependido disso.

Aproveitou que o árbitro deixou de marcar uma falta escandalosa para o seu time e gritou enfurecido junto aos outros no bar. Depois disso, Paulinho nem se lembrava mais daquela conversa.

Carlos Mauro se sentia seguro ali, entre homens, bebendo. Achava as mulheres complicadas demais. Quando vinham de uma educação mais rígida e tradicional, eram cheias de manias e chatices. Por outro lado, as “descoladas” eram livres demais e, por isso, nada confiáveis. Além de terem sempre uma crítica à forma como ele falava.

Por isso, Carlos Mauro passava a vida vendo séries no streaming e se masturbando com pornografia na internet. Não sentia falta de se relacionar com mulheres de verdade. A única companhia de que precisava era a daqueles amigos, enchendo a cara de cerveja e extravasando emoções com o futebol na TV.

 Um dia, ele ganhou o número de telefone dela. Encontrou-a em redes sociais, passou a acompanhá-la em outros meios. Não havia dúvidas de que era uma pessoa de verdade. Apesar daquele nome estranho.

— Capitu? — perguntou Paulinho, quando o amigo veio contar a ele.

Gapitu — corrigiu Carlos Mauro, sem dizer que tinha feito a mesma pergunta quando ela lhe contou.

Ga? — estranhou o outro. — Ga-pitu? Esse nome não existe!

— Vai ver os pais eram artistas — ponderou Carlos Mauro.

— Você que não quer ver a verdade — sentenciou Paulinho. — Se eu já estava desconfiado antes, agora tenho certeza! Ga-Pi-Tu, seu tonto. G-P-T. Está na cara!

Carlos Mauro engoliu em seco e não falou mais nada. Não tinha por que prolongar aquela discussão com o amigo que obviamente só estava tentando minar a felicidade dele.

Mas o problema é que ele conseguiu.

Nas conversas seguintes, Carlos Mauro avaliava cada palavra, cada reação de Gapitu, tentando confirmar se ela não era mesmo uma inteligência artificial. Não conseguiu chegar a conclusão nenhuma.

Então, começou a sugerir que eles se encontrassem pessoalmente. Argumentou que já tinham “uma relação madura”, que estavam prontos para aquele passo. Ela, porém, não se mostrava muito interessada.

Ou estava com medo, ou não gostava dele o bastante.

Ou, claro, não era uma pessoa de verdade.

Carlos Mauro foi se tornando agressivo, cínico, evasivo — tentando provocar alguma reação humana, forçar, no mínimo, uma chamada de áudio ou vídeo.

Mas Gapitu dizia que não estava pronta.

Mesmo quando Carlos Mauro deixou claro que ela iria perdê-lo com aquela atitude, ela resistiu. E se afastou ainda mais.

Uma noite, depois de encher a cara com os amigos no bar, Carlos Mauro enviou a ela um e-mail definitivo. Grosseiro mesmo, cheio de acusações baixas e ofensivas. Supunha que ela fosse uma prostituta com vergonha da própria profissão, ou que gostasse demais dela para querer se envolver com um homem só.

Um homem de verdade como ele. Com “H” maiúsculo, do jeito que Deus fez para controlar as mulheres tão ingênuas a ponto de introduzir o pecado no mundo.

Nas últimas linhas da mensagem, mudava de tom e se tornava alheio, divertindo-se consigo mesmo e com a ideia de que ela nem ao menos era um ser humano.

Mesmo que você não seja literalmente uma inteligência artificial — ele dizia —, o que eu duvido muito, ainda assim, só vejo artificialidade em tudo que você fala.

É claro que era uma reação exagerada, e que ele se arrependeu assim que acordou com a cabeça explodindo de ressaca.

 Procurou-a antes do analgésico fazer efeito, ansioso que estava para colocar as coisas de volta ao lugar de antes. Mesmo que não fosse assim um lugar tão confortável.

Mas Gapitu tinha bloqueado todos os contatos dele.

Exceto, como descobriu mais tarde, o chat em que tudo havia começado.

Carlos Mauro olhou para o cursor piscando no campo de mensagem, mas, desta vez, não quis escrever de novo um “Por favor”.

Eu não me importo, ele digitou, que você seja o que quer que seja. Mas volte a falar comigo.

No instante seguinte, três pontinhos acenderam e apagaram em sequência, no mesmo ritmo em que piscava uma mensagem em letras quase transparentes:

Digitando.

Carlos Mauro sentiu o coração disparar.

O muito pouco que aquilo durou pareceu-lhe uma eternidade.

Em seguida, finalmente, ele quase explodiu de felicidade quando a mensagem apareceu em sua tela:

Olá! Eu sou Vênia, sua IA de atendimento! Como posso ajudá-lo?

Em um impulso enlouquecido, ele se jogou sobre o teclado, digitando entre lágrimas:

Eu faço o que você quiser, mas nunca, nunca mais me deixe tanto tempo sem resposta!

Por ROGER DORL 

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