CONTOS E MINICONTOS – A princesa e o poeta por Jefferson Souza

CONTOS E MINICONTOS – A princesa e o poeta por Jefferson Souza

 A noite chegou e com ela a vontade de conversar com o amigo oculto pela tela da rede social. Ela já não aguentava de curiosidade de saber como era o poeta, se tinha um semblante triste ou se era bonachão. Mas sabia que se quisesse saber abriria o precedente de realizar alguma das vontades dele e nesse mundo virtual tudo é muito inesperado. Então, decidiu deixar de lado esse desejo, pelo menos por enquanto. O importante era saber mais. De repente, a vibração no aparelho celular. Ele percebeu que haviam estabelecido um sinal: o emoji era um chamado. Mas nada obrigatório ou com horário estabelecido. O poeta sempre pensa em algo mais além e, como um bom cavalheiro, a iniciativa deve partir dele.

 Logo, recebeu o retorno.

 “Oiii!”

  “Tudo bem? Está ocupada?”

 “Acabei de chegar! Vou preparar o jantar, tomar um banho e relaxar!”

 “Ah, que maravilha!”

 “E você, o que faz?”

 “Terminando um trabalho aqui. Um anúncio para jornal…”

 “Muito bom!”

 “Obrigado! Hein, posso lhe perguntar?”

 “Depende… rsss! O que quer saber?”

 “Nada demais! Você tem filhos? É casada?”

 “Nossa! Que direto!”

 “Ah, me perdoa… é só para saber, afinal posso estar lhe incomodando nos afazeres familiares.”

 “Rsss… entendi sim! Não, eu estou solteira agora! Mas já fui casada! Tenho dois filhos adultos!”

 “Hum… sem mais perguntas pessoais, por enquanto! Hein, quer um poema?”

 “Para mim? Claro! Que emoção!”

 “Espero que goste… vou escrever algo aqui, baseado no que vi e conversei… até depois, então! Beijos e fica bem!”

 Recebeu de volta um emoji de coração. Naquela noite, demoraram muito para adormecerem. Era a Esperança que os mantinham acordados. Seria verdade ou apenas um sonho acordado?

 Na manhã seguinte, a princesa despertou com um belo sorriso. Tomou um banho quente e preparou um belo café. Assim, se preparava para outro dia de trabalho. Sexta-feira com sol e temperatura amena era tudo o que precisava. Porém, estava muito ansiosa com o rapaz que conhecera virtualmente. Não era a primeira vez que recebia mensagens, mas aquele perfil com tantas imagens belas e textos românticos a alimentava de bons pensamentos. Não sabia se poderia confiar, mas sua intuição, sempre aguçada, não parecia censurar o que sentia. Afinal, quem não gosta de um amigo poeta? Enquanto se preparava para sair, o celular acendeu e vibrou com o alerta de mensagem. Vinha de seu perfil da rede social: era o seu amigo.

 “Olá, bom dia! Tudo bem? Espero que sim. Como prometido, segue o poema inspirado no que senti ao lhe conhecer:

 A você

 Conheço uma menina especial
 A quem assim sou todo ouvidos
 Tem o carisma que é essencial
 Faz meus dias mais divertidos.

 Seu sorriso inocente vem e cativa
 É forte, é destemida e tão corajosa
 Faz a minha alma se manter viva
 Com seu jeitinho doce é poderosa.

 Receba assim minha homenagem
 O seu carinho pra mim vale ouro
 Com todo amor é essa mensagem
 Saiba que é o meu maior tesouro.”

 Aquelas palavras tocaram-lhe a alma. Abriu um sorriso que há muito não sorria. Era acostumada a receber cantadas nas redes sociais e que sempre acabava com ofensas e bloqueios. Poucos tinham o cuidado ao lidar com os sentimentos das pessoas, pois a beleza é uma característica e não uma situação. Ela deixava bem claro a intenção de amizade, no máximo, afinal ali não era um aplicativo de relacionamento. Mas, sabia que poderia acontecer, pois mesmo sem intenção ninguém está fechado a conhecer alguém interessante. Enfim, decidiu retribuir a gentileza, enviando um emoji apaixonado.

 Agora, era voltar ao trabalho.

 O poeta desenvolvia com afinco o seu ofício. Não tinha muito tempo livre, mas nas horas vagas ainda escrevia textos vindo do coração. Se já era uma pessoa que saía pouco, agora se tornara mais recluso. Mas, suas palavras de afeto, amor e carinho conquistavam amizades virtuais, que se tornavam admiração e respeito. O perfil secreto lhe dava a segurança necessário para falar e escrever o que sentia seu coração melancólico e preso a pensamentos puros e outros não tão nobres, afinal habitava também em si o sentimento à flor da pele. Os versos que vinham de sua intensidade causava repulsa em alguns e atraía tantos outros, afinal quem se escondia atrás daquela imagem sombria. Talvez era a antítese que procurava: o tênue caminho que ligava o divino ao profano; a morte à ressurreição; o amor à desilusão. Costumeiramente, recebia elogios, proveniente da admiração pelos belos poemas que se tornava carinho pelo tratamento que dispensava a seus seguidores, que sempre chamava de amigos. Mas o gracejo que recebeu de sua princesa fez despertar algo além de carinho. Sentimento que talvez não fosse muito bom ter e que, certamente, seria definitivamente descabível. O sentimento duraria depois de conhecê-lo?

 A confiança é, muitas vezes, inimiga da prudência; outrora, a arrogância seja também o contrário de simpatia. Mesmo com a decepção de muitas relações frustradas, ela decidiu “pagar para ver”. Ser gentil e amável agora poderia significar muito no futuro próximo. No mínimo, poderia receber mais gracejos em forma de poesia, e talvez quem sabe… ah, não deveria pensar em nada por ora, pois sequer conhecia o rosto de quem despertara a admiração. Mas, enfim, a curiosidade sempre foi seu maior defeito e um coração ávido por descobertas tinha que ser alimentado de surpresas. Para saber se havia atraído a atenção de seu poeta, decidiu tirar fotos, usar filtros que deixassem apenas as sombras e escrever frases de efeito. Poderia receber vários emojis ou mensagens capciosas de seguidores menos gentis, mas a esperança de ser bem quista por quem realmente interessava faria valer a pena. O tempo passou e após muitas investidas desagradáveis, chegou um elogio em forma de poesia: “se é na escuridão que surge a luz, é na minha solidão que ao seu amor conduz”. Estava entregue a ele. Palavras que disparavam o coração e agitavam a alma. Quem não queria ser salva da desilusão e, ao mesmo tempo, salvar quem estava sofrendo de desamor? Assim, começava a se deixar envolver. Seduzida, comovida, atraída. A mente clamando pelas doces e amáveis palavras rimadas do poeta.

 O poeta vive de paixão e sofrimento. A antítese necessária para sangrar sentimentos no papel ou em qualquer planilha. Conquistar a atenção de sua amada a qualquer custo, mesmo que ao final da jornada não a tenha definitivamente. O “marquês” agia como um navegante, pois nem sempre o mais importante era o destino, mas sim aproveitar a viagem. E as correntes que moviam sua amada poderiam ser caudalosas, mas sabia que se fosse corajoso teria a chance de chegar às marés calmas de um sentir tranquilo. Assim, a mente e o coração produziam, numa escala industrial, trovas e epopeias, prosas e poesias, como um apaixonado florista, acreditando que “de flor em flor conquistaria enfim o seu amor”. Como o nó do afeto, todos os dias deixava um poema e um emoji de flor ou de coração. Sabia ser presente, sem ser insistente; sedutor, sem ser inconveniente. Mesmo quando uma palavra ou frase parecia ter um tom mais atraente, conseguia contornar com doçura e bondade. Afinal, mesmo no desejo que trazia não poderia ser obsessivo. Era delicado, mas interessado; galante, mas carinhoso. Mas ele sabia, a princesa era confiante demais para entregar assim seu coração.

 Tornou-se o hábito diário. Ao abrir os olhos pela manhã, a primeira atitude era pegar o celular e ver se havia alguma mensagem de seu amado. Uma doce loucura que a motivava, que a fazia sentir-se viva. E seu apaixonado poeta fazia questão de exaltar tudo o que mais belo havia. Metáforas e hipérboles que mostravam o quanto sua musa era amada e querida, mesmo à distância, mesmo às escuras. Mas o jogo da sedução já havia evoluído. Poemas mais quentes enviava de vez em quando e isso a deixava mais desejosa em estar com ele. Sentia a sua presença em cada palavra ou estrofe. Rimas que a envolviam, como se fossem as mãos e os lábios; escritas que saltavam aos olhos, chegando as ouvidos; versos que tinham cores, cheiros e gostos.

 Continua…

Por JEFFERSON SOUZA

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