Ainda ouço a|vó|z ancestral, o canto escuro das noites sombrias sobre as lágrimas do mar revolto, o tilintar das correntes madrugada adentro, instrumentos que retiniam sofrimento; ainda ouço o som da chibata, que ultrapassa todas as camadas e expõe, em chagas, a alma, a súplica do tronco e sinto a dor do seio que escoa vida. Sinto o peso do sofrimento e da sina da herança de vô Vicêncio, sorrio e choro, sem motivo e por todas as razões, insanidade, pelo menos é o que dizem, mas só eu sei o que me encurva e torce o braço, conheço minha luta e moldo as palavras, faço delas minha arte, utensílio do mesmo barro que me compõe e sigo, banzo.
Minha grafia é o olhar, a impressão do sentimento e o destino se vê na palma das minhas lutas, acontecimento; sigo escrevendo e me redesenhando, me fazendo o atalho que trilho e sendo o caminho da ancestralidade que me guia, além da palavra, essência.
Ainda ouço todas as vozes, agora, inclusive a minha e navego em minha própria escuridão, me percebo imensidão; faço, do meu olhar, oceano, olhos d’água e da minha alma, inc|d|olor, porão das minhas lágrimas, que, insubmissas, batucam e cantam enquanto viajam pela face-noite, tão livres quanto eu, nelas si|a|ngram a transbordante poesia que emudece, enquanto me ecoa e me valida, só por ser; me coroo e celebro, todos os dias, a condição de mulher preta, poeta que chora, mas honra, de cabeça erguida, na escrita, o combinado de não (me deixar) morrer.
(Prosa escrita em homenagem a textos, títulos e expressões de Conceição Evaristo).
Por JÉSSICA SABRINA