CONTOS E MINICONTOS – No bolso do casaco por Suelen Farias

CONTOS E MINICONTOS – No bolso do casaco por Suelen Farias

 Estou em frente ao computador, enviando os últimos e-mails do dia. Meus olhos desviam a todo o momento para os números no canto inferior da tela onde está o relógio. Faltam ainda 15 minutos para encerrar meu expediente. Hoje é sexta-feira, estou exausta.
Quero ir logo para casa, mas antes preciso passar na loja de roupas da Josy, comprar um casaco. O inverno já iniciou e promete ser um dos mais rigorosos dos últimos anos, pelo menos foi o que informou o site de notícias “Por dentro do tempo”.

 Fecho todos os arquivos e programas, por fim, desligo o monitor. Organizo minha mesa enquanto espero o ponteiro do relógio chegar exatamente no seis, agora faltam 4 minutos. Pego minha bolsa, guardo meu celular nela, pego minha jaqueta e visto.
Despeço-me das duas colegas das mesas ao lado e me dirijo para fora do prédio.

 O vento gelado agride meu rosto assim que coloco os pés na área externa. O céu está em tons de cinza e logo vai escurecer.
A loja da Josy fica a duas quadras e fecha 18h30, então tenho apenas 30 minutos. Fecho o zíper da jaqueta e ando apressada para lá.
Chego à loja e ela está vazia, Josy está atrás do balcão. Ao me ver, vem até mim. Digo a ela que quero um casaco, dos mais quentes, mas nada muito caro, não me envergonho de admitir que a grana anda curta ultimamente. Ela me leva até o corredor da esquerda, onde ficam as peças usadas, por serem mais em conta. Josy me deixa a vontade para escolher e provar qualquer peça. Ando pelo corredor e não tenho dificuldade em encontrar o que procuro, logo vejo um casaco de caxemira preto com bolsos grandes. O pego. É usado, eu sei, mas está praticamente novo. Não encontro nele nenhuma imperfeição.

 Não preciso provar, sei que é meu tamanho e também está dentro do que posso pagar. Josy coloca-o na sacola e entrega a mim. Saio satisfeita e vou para casa.

 No dia seguinte acordo com o telefone tocando, são 7h03, não faço ideia de quem pode estar ligando tão cedo. Atendo. Quando ouço a voz do outro lado da linha arrependo-me no mesmo instante por ter atendido.

 É Jonathan, e ele quer me encontrar na confeitaria que costumávamos tomar café juntos, insiste que precisamos conversar. Eu ainda não me decidi a respeito de nós dois, na verdade tenho evitado pensar no assunto, lembrar o que aconteceu me desmorona. A lembrança faz meu coração reagir com uma pontada de raiva e decepção. Fico oscilando entre as emoções, mágoa e saudade. Às vezes desejo sua presença, em outras sinto que devo me distanciar.

 Ele pede mais uma chance e eu não consigo me decidir. Quero acreditar que ele está mesmo arrependido dessa vez, mas uma parte de mim diz que ele vai fazer de novo.

 Mesmo ainda confusa e indecisa sou convencida por ele a nos encontrarmos às 8h30. Encerro a ligação e não consigo conter as lágrimas, desde o ocorrido eu não havia chorado. Em seguida me recomponho e decido me vestir para encontrá-lo. Eu gostaria mesmo era voltar a dormir, mas precisamos resolver nossa situação, embora eu não tenha a mínima ideia do que fazer. A ansiedade e inquietação me dominam.

 Espio o clima pela janela, está ventando muito lá fora, preciso me agasalhar, caso contrário irei congelar.
Visto um conjunto de moletom e tênis, por cima o casaco que comprei na loja da Josy. Me olho no espelho, o casaco serviu direitinho, como eu havia previsto.

 Coloco as mãos no bolso, no esquerdo parece ter algo dentro. Retiro. É um papel. Está dobrado e um pouco amassado. A antiga dona do casaco deve ter esquecido ali. Me pergunto se é invasivo e inconveniente abri-lo.

 Minha curiosidade responde que não. Desdobro o papel e encaro as palavras escritas. A letra é pequena e delicada. Percebo que trata-se de uma carta, talvez um bilhete, começo a ler:

“Quero te pedir que não me procure mais.

Tudo que tivemos um dia acaba hoje. Peço também que pare de insistir que tenho que perdoá-lo.

Quem sabe um dia, mas hoje não, não consigo.
Se você me perguntar se ainda te amo, minha resposta é não, eu não te amo mais. Como posso amar? Depois do que você fez?

Não me culpe pelo nosso fim. Estou farta de suas desculpas.

Você pede mais uma chance, mas sei que irá desperdiçá-la.

Estou decidida a buscar o melhor para meu futuro, e você não faz parte dele.

ass: Pâmela.”

 Sento-me na cama, petrificada pelo que acabo de ler. A carta não tem data e nem nome do destinatário.

 Parece que o universo colocou em minhas mãos a resposta que procuro, a decisão que não consigo exercer. De repente sinto-me viva e livre. Toda incerteza dissipou-se com aquelas palavras que não eram minhas, mas me representavam. Era como se outra pessoa tivesse se dado ao trabalho de escrever o que eu sentia, o que eu queria, mas não admitia. Com uma caneta rabisco o nome da carta e escrevo o meu ao lado. Dobro o papel e o coloco no bolso do casaco. Me levanto decidida. Estou pronta para me encontrar com Jonathan, resolver nossa situação de uma vez por todas. Fico imaginando se algo fez a tal da Pâmela mudar de ideia e não entregar a carta, de qualquer forma sou grata por ter encontrada ela no bolso do casaco. Pâmela pode não ter entregado a carta, mas eu à entregarei. Com certeza entregarei.

Por SUELEN FARIAS

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