CONTOS E MINICONTOS O Pálido olho azul por Ana Paula

CONTOS E MINICONTOS O Pálido olho azul por Ana Paula

Antes de lhes contar como foram meus últimos dias, julgo pertinente realizar uma breve narrativa sobre minha vida, para que deste modo possam compreender melhor o desenrolar dos acontecimentos.
Nasci no sul da Inglaterra, já na oportunidade de meu nascimento, por ordem da genética minha fisionomia seria marcada por algumas peculiaridades, mas a mais marcante refere-se a um de meus olhos, o olho direito não era de um azul vívido como o outro, ao contrário sua íris era de um tom pálido e sua pupila era ligeiramente menor que a do olho esquerdo. Fato este que tornaria minha aparência um tanto quanto peculiar e até repulsiva para alguns.
Na medida em que os meses se passaram, também se tornou perceptível que uma mecha de meus cabelos era grisalha. De início recordo-me de tentar esconder esses pequenos detalhes, mas à medida que eu fora amadurecendo, deixei de fazê-lo.
Meu pai ensinou-me o ofício da ourivesaria, ao qual dediquei-me durante muitos anos, minhas duas grandes paixões foram o fabrico de peças de ouro e a literatura para os quais dedicava boa parte de meus dias.
Nunca casei e tão pouco tive filhos, sendo um homem solitário e de raras amizades, meus pais faleceram ainda durante minha juventude, não tive irmãos. Apesar de viver solitário nunca me senti triste, pois como lhes contei dedicava-me com afinco as duas paixões de minha vida, então posso dizer-lhes que gozei de uma vida boa, ao menos até seus últimos dias dos quais creio não posso dizer o mesmo.
Os anos se passaram e o peso da idade abateu-se sobre mim, vieram as dificuldades de mobilidade, alguns problemas de saúde próprios da velhice e em decorrência disso deixei meu ofício de ourives. E tive que buscar auxílio de um cuidador, um rapaz que me fora em princípio bem recomendado por seus serviços anteriores em uma casa de saúde.
O rapaz mostrava-se sempre gentil e disposto a ajudar-me, no entanto havia algo em seu olhar que ele dissimulava com sorrisos e palavras afáveis, sentia que quando ele mirava seu olhar no meu, não era a mesma estranheza com que já havia me acostumado que via em seu olhar, pois muitos olhavam-me assim por conta das peculiaridades das quais já lhes falei, antes, seu era um olhar raivoso.
Certa noite, tive a impressão de que alguém me observava, porém estava muito escuro e vi somente um leve clarão vindo da porta de meu quarto, julguei tratar-se do cuidador que num ato zeloso passará para verificar se estava tudo bem.
Mas outras noites vieram, e então tive a certeza de que não se tratava de uma atitude zelosa, pois ele vinha esgueirando-se em meio a escuridão tal qual um rato, silenciosamente metia sua cabeça para dentro de meu quarto e assim permanecia durante muito tempo fitando-me, sentia meu sangue gelar e meu coração a palpitar apressadamente; e sim, ali naquele instante ficara evidente de que ele deseja minha morte. De certo almejava meu dinheiro, pois que outra coisa poderia querer de um velho como eu.
Ele estava obstinado a matar-me e quando alguém está obstinado a fazer algo, sua vontade só cessa quando este alcança seu intento e nessa situação não importam os meios nem se estes são justos ou atrozmente nefastos, pois não há dignidade nem limites quando a vontade, o desejo se sobrepõe à razão.
Na derradeira noite, lá estava ele novamente, ratazana vil, a maquinar com toda sua sordidez como daria fim a minha vida. Há meu Deus! que tristeza profunda sentia dentro de mim, pois nada poderia fazer para contê-lo, então certamente ele lograria êxito no ardil que perpetrava, tendo em vista o peso dos anos que recaiam sobre mim não teria como ser diferente.
Mas o terror apossou-se de mim, e com todo meu ser desejei que aquilo não estivesse de fato acontecendo, meu coração parecia que ia pular do meu peito, meu corpo em toda sua extensão tremia, e num ímpeto de desespero ergui meu corpo o máximo que pude e gritei, pois talvez houvesse alguma esperança. Há meu Deus! Ninguém veio em meu socorro, talvez passassem dias até que dessem conta do meu sumiço. Que horror! Foi quando ele furiosamente lançou-se em minha direção, derrubando a cama sobre mim, ouvia minha respiração tornar-se lenta, meus olhos se fecharam, era meu fim.
No dia seguinte, abri meus olhos, eu estava em meu quarto novamente, foi quando de súbito vi meu algoz adentrar, estava pronto a lançar-me sobre ele, quando percebi que o seguindo estavam dois cavalheiros. Recuei, sentei-me na cama e ali fiquei a observar, porém nenhum deles havia notado minha presença. Foi então que um sopro de vento veio em minha direção trazendo consigo um feixe flamejante de luz; recordei-me do que houvera na noite anterior.
O cuidador puxou uma cadeira e sentou-se de frente para os dois homens, mal acabara de sentar-se e logo precipitou-se, começou a andar freneticamente de um lado a outro do cômodo, levava as mãos a cabeça reclamando de um barulho, questionando se os outros dois não estavam ouvindo. Os cavalheiros se entreolharam e riram de suas atitudes, julgando-o louco. Porém a angústia do rapaz só aumentava, e num acesso de fúria o assassino arrastou a cadeira arremessando-a em direção a um canto do aposento e bradou as seguintes palavras:
— Desgraçados! Não precisam dissimular mais! Eu confesso o crime! Removam as tábuas! Aqui! São as batidas deste coração horrendo!
Minha alma estava livre.

Por ANA PAULA

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