CRÔNICAS – Crônica de uma morte insone por Joaquim Cesário de Mello

CRÔNICAS – Crônica de uma morte insone por Joaquim Cesário de Mello

Já pensou, um dia acordar e descobrir que está morto? Se ver ali inerte na cama, congelado a um sonho inacabado e interrompido, e não poder fazer nada?

O que aconteceu com os minutos que havia no interior anterior desse corpo que jaz sem relógio de pulso, sem as obrigações corriqueiras que nos seguem ao levantar da cama até ao voltar noturno cansado, para dormir como sempre, de novo?

Eu nunca me vi antes morto, nem nos meus piores pesadelos, pois sempre acordava um segundo antes de morrer. É muito estranho morrer por um lado e, por outro, continuar vivo para se ver morto. O será de mim se me cremarem? Logo eu que passei a vida inteira evitando fogo, com medo de me queimar.

E pensar que minha esposa, que respira dormindo no leito ao lado, ainda não sabe dessa minha incomum descoberta. Talvez seja bom acordá-la devagar para não a assustar, mas não sei como os mortos acordam os vivos. Não me sinto sequer uma assombração ou nem mesmo um fantasma.

Já pensou, uma noite dormir com seu marido e no dia seguinte acordar com ele inerte e inanimado na cama ao seu lado? Quanto tempo durará sua viuvez antecipada? E se ela em breve colocar outro aqui no meu lugar, e eu como um morto não puder fazer nada? Não queria morrer assim como estou. Vendo-me morto acordado.

Não desejo ir ao meu próprio velório. Não gostaria de contar os ausentes, e dos poucos presentes não vou querer ouvir louvações em meus ouvidos de cadáver. Velórios são quartos em que os mortos não deveriam frequentar, mesmo aqueles que foram a eles convidados.

Ninguém me perguntou se eu queria morrer. Nem um aviso sequer me foi dado. De que adianta fenecer dormindo, sem nem saber que se morre. Daria toda a eternidade que me espera de braços abertos, por um breve minuto apenas para me despedir de mim e da vida que se evapora e se apaga.

Já pensou, um dia acordar e descobrir que está morto? Deve ser assustador não poder fazer nada.

 

Por JOAQUIM CESÁRIO DE MELLO

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