CONTOS E MINICONTOS – O velho casarão da Rua 6 por Adriana Ribeiro

CONTOS E MINICONTOS – O velho casarão da Rua 6 por Adriana Ribeiro

Continuação…

De repente, os três jovens ouviram um tiro seguido de gritos e choros abafados. Os sons estranhos pareciam vir de algum lugar embaixo da casa. No mesmo instante o rapaz paralisado voltou a si e correu até a porta com a clara intenção de arrombá-la para fugirem dali. Mas, ao girar a maçaneta, a porta se abriu com facilidade e todos saíram correndo. Por pouco o espectro da moça desconhecida não os alcançou.

 Do outro lado do corredor os rapazes tentaram abrir uma das portas com socos e pontapés, mas esta parecia ser feita de chumbo. E enquanto lutavam para conseguir sair daquele lugar macabro, uma porta lateral se abriu com um rangido horripilante. Eles correram para lá e perceberam que dava acesso a uma espécie de porão escuro e fétido.

 O Espectro da moça já estava saindo do quarto à procura deles e na ânsia de se livrarem daquele ser medonho que agora os perseguia, desceram pela escadaria estreita que parecia interminável até chegarem ao que lhes pareceu, de início, ser uma senzala.

Ali, ouviram o choro abafado de uma mulher e os gemidos de dor de um homem. Os sons pareciam vir de uma baia mais ao fundo. Todo o lugar estava cheio de feno armazenado. As palhas velhas e mofadas conferiam um cheiro desagradável ao ambiente, mas a curiosidade dos jovens os conduziu ao local da mais triste cena fantasmagórica.

 Se aproximaram devagar e em silêncio do local até que viram, claramente, três figuras prostradas e em prantos. O vulto de uma moça loira que estava ajoelhada e com uma arma nas mãos estava um pouco mais afastada dos outros dois, que também eram jovens. O rapaz, muito bem trajado como um Cavaleiro, estava caído e sangrando, enquanto uma moça vestida de modo simples e com um turbante de mesmo tecido cobrindo a cabeça, tentava pressionar o ferimento para que parasse de sangrar enquanto chorava copiosamente.

Os três estudantes pararam estupefatos diante da cena que parecia real. Logo passaram a ouviram também aquelas vozes sofridas:

     __ Não morra meu amor! Por favor! Fique comigo!

     __ Você tem que fugir Annie! __ Depressa! Amélie vai dizer a todos que foi você quem atirou em mim!

     Mas a moça não ouvia o que o rapaz lhe dizia.

     __ Você não pode morrer meu amor! __Lute! __Por mim!

     __ Fuja meu amor! Você será enforcada se eles a encontrarem aqui!

 Mais distante, a moça que segurava a arma murmurava, também em copioso pranto: __ Eu não queria feri-lo meu amor! __ Me perdoa! __Eu só queria assustá-la! __ Porque você tinha que protegê-la? __ Era ela quem merecia morrer por ter te roubado de mim.

De repente um grito de profunda dor saiu da boca da moça de turbante indicando que o rapaz não havia resistido ao ferimento causado pelo tiro. E em meio àquele choro convulsivo um novo estouro da arma se ouviu. Dessa vez a moça loira havia atirado na rival e esta caiu lentamente sobre o peito do jovem cavaleiro morrendo imediatamente. Em seguida a assassina pegou a arma, mirou no próprio peito, puxou o gatilho e caiu. Agonizando, saiu se arrastando até onde o jovem estava deitado e, ao segurar-lhe a mão direita que jazia estendida, também expirou. Provavelmente não suportara o remorso de ter causado a morte do jovem que amava.

Os três amigos pareciam em transe diante daquela cena sobrenatural e nem ao menos ousavam respirar. Era como se assistissem a um filme trágico de época, tanto pelo cenário quanto pelos trajes dos personagens envolvidos. E foi assim, em uma espécie de transe paranormal que eles ficaram por longos minutos ali parados. Naquele momento todo o enigma se esclareceu e os amigos perceberam que eram os espíritos de três jovens que haviam morrido na casa há muitos anos e que, por isso, viviam assombrando o lugar. Eles ainda não haviam superado o que tinha acontecido no passado e permaneciam aprisionados no velho casarão como castigo por haverem cometido assassinato e suicídio.

Extremamente consternados, e na ânsia de ajudar a libertar aquelas almas tão sofridas, voltaram ao casarão às pressas para tentar queimar a caixinha de música que aparentemente seria o portal por onde aquelas almas voltavam ao mundo dos vivos.  Assim, de volta ao quarto da jovem morta, o rapaz chamado Job, correu até a penteadeira para pegar o objeto amaldiçoado. Porém, devido à pressa, seus pés escorregaram na poeira do chão e seu corpo esbarrou na penteadeira fazendo-a balançar violentamente derrubando a caixinha de música que, ao cair, estilhaçou-se completamente no chão do quarto.

Diante da cena, um coro de: __ Oh, não! Se fez ouvir no ambiente. Todos lamentavam a destruição do objeto, que poderia ser um amuleto ou portal, antes que eles pudessem se certificar de que o fantasma da loira estava do lado certo. Mas não havia mais jeito e, enquanto tentavam juntar os cacos do objeto para queimá-lo, os três espectros apareceram no quarto com feições ameaçadoras.

Um dos jovens, correu apavorado para perto da janela, enquanto o casal, se sentindo encurralado, permaneceu imóvel por mais alguns instantes. Mas vendo que não teriam como escapar dos espectros, que estavam cada vez mais perto, abraçara-se e fecharam os olhos enquanto gritavam aterrorizados. O amigo, parecendo petrificado, assistia a tudo de onde estava sem conseguir sequer gritar. Viu quando os espectros do casal assassinado a tiros tocaram em cada um dos jovens abraçados e estes, de repente, se transfiguraram. Já não eram mais o rapaz e a moça da cidade moderna, e sim, os jovens amantes do passado. A partir dali a briga entre o triângulo amoroso recomeçou.

Sem parar para pensar no que estava acontecendo o terceiro jovem se jogou pela janela do sobrado, caindo violentamente na calçada de cimento da frente do palacete e ficando seriamente ferido. Seus gritos de dor e medo chamaram a atenção da vizinhança e alguém chamou a polícia. Mas quando esta chegou ao local o rapaz já estava quase sem vida. A equipe que ficou no casarão para averiguar o fato encontrou os outros dois jovens com os pulsos cortados. Próximo das mãos de ambos acharam os estilhaços cortantes da velha caixinha de música quebrada. 

O rapaz que pulou a janela foi levado ao hospital e, por causa dos traumas provocados pela queda, somente alguns meses depois recebeu alta médica. Disseram que os nervos ficaram seriamente abalados e que, por causa de uma concussão cerebral traumática, havia perdido parcialmente a memória. Quase não se comunicava verbalmente e, quando tentava fazê-lo, as pessoas não lhe davam atenção devido às circunstâncias do ocorrido. Muitos atribuíram o episódio sinistro a um desentendimento entre os dois rapazes por causa da moça.

Desde então as pessoas da cidade passaram a exigir a demolição do velho casarão da Rua 6. Muitos ainda temem a permanência do velho sobrado ali, pois acreditam piamente que é um lugar amaldiçoado. A história dos dois jovens mortos virou mais um episódio da lenda local. Mas, para aqueles que perderam seus entes queridos naquela terrível noite, o Casarão da Rua 6 é um lugar que nunca será esquecido.

Ou será que esquecerão, assim como esqueceram o que aconteceu com os seus antigos e perversos moradores? 

Por ADRIANA RIBEIRO

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