De um lado da estrada, garças sobrevoavam a grama
que bordeava os campos;
do outro lado,
um trem percorria as dormentes.
Eu observava tudo,
mas havia algo que também olhava;
sem olhos ou uma boca, a morte surgiu como um vento
que lambe as folhas:
enquanto aves de rapina sobrevoavam
linhas de transmissão,
um pássaro acertou um caminhão de cargas,
como garrafas
que estilhaçassem.
Onde antes não havia nada, surgiu uma cicatriz viscosa,
do voo abatido – o voo-absurdo-,
como se pintassem a facadas sobre uma tela de Monet,
o mistério das ramagens balançando.
Existem cemitérios escondidos,
mortos que caem do céu
como lençóis.
Intangível e obscura,
a morte é como um gancho
procurando o que pendurar.
Como um selvagem que sacrifica seus cordeiros,
a Máquina do Mundo observava
-aquela coisa primitiva deu de ombros,
aceitando meu espanto, sem comentários.
Esperando o deus de amor se manifestar
tentei examinar cada coisa destroçada
como quem procura as partes
de um vaso partido:
o corpo ao avesso
com seu punhado de penas
e um bico inútil,
as asas
como papel picotado que o vento carregava.
E como um poema recém-feito sobre a beleza
que fora rasgado ao meio
ali ficou,
com os abutres que vinham farejar
a volta de sua ossada
sangrando em seu sepulcro, o asfalto
numa cena que poderia ser de Bosch
como os restos de uma janta.
Por MAX RAPOSO
São Luís – Maranhão, Brasil