Fazia-se um silêncio esquisito mas normal na sala de artes da Escola Técnica Alexandra Amado, onde a própria Alexandra era a professora. Os alunos como era habitual, tinham aulas a partir das quatro e eram maioritariamente adolescentes.
Antes das aulas, Alexandra, de cabelo amarrado num puxo pendurado pelo cimo da cabeça, preparava todo o material que ia ser necessário. Desde as coisas de madeira, às tintas e telas.
Mas, não se enganem, pois, esta sua escola não é independente! É uma associação com uma dita escola ‘a sério’, isto é, os alunos estão por ali a ter outras aulas e logo que acabam, hora antes de saírem para casa, vão para ali ter aula de artes. Alexandra apresenta um tema, desafia-os e eles têm o momento terapêutico através das artes. Foi, basicamente, um sistema de intervenção que ela quis instaurar uma vez que os seus pais queriam imenso que ela fosse proprietária de uma escola, porém ela tinha muito mais dedo para as artes do que para ser diretora. Então, ela não deixou de ser proprietária da escola, mas, deixou alguém com o cargo de a gerir enquanto ela tem o papel de professora e, algumas vezes, de interventora. Não estão a perceber como.
Ora, acabava de alinhar os cavaletes num círculo quase perfeito quando surgiu um barulho de uma voz grossa no corredor. Esta voz aproximava-se cada vez mais e não lhe pareceu nada bem-disposta. Pôs-se hirta à escuta e, pelo menos, percebeu que era o diretor a ralhar. Menos mal que não eram alunos à bulha ou prestes a fazerem asneiras.
A voz tanto se aproximou, que virou esquina para a porta da sua sala, que tinha estado em total silêncio, quebrando-o agora. O diretor, António Duarte, vinha a agarrar um miúdo pelo cimo das costas do casaco e este trazia uma expressão cansada.
— Já ralhei a este miúdo. Só faz porcaria. Passa a estar aqui sossegado, pode ser que se inspire!
— Ok, mas, primeiro, não os agarres assim e não berres. Depois, já te disse que, ‘aqui’, esta sala, é uma sala de aula como as outras. Aliás, senão melhor. Não quero abusar, mas temos de admitir que saem daqui de alma lavada, sim?
— Tudo bem. E este menino?
— Deixa-o comigo.
António largou-o e virou costas. O miúdo, por sua vez, suspirou aliviado.
— Queres conversar?
Alexandra convidou-o a sentar-se. Ele sentou-se. — Quer que lhe diga o quê?
— O que se passou?
— O senhor António apanhou a bulha a meio e quem é o culpado é sempre o pequeno.
Alexandra não acrescentou nada, esperando por que ela quisesse prosseguir.
— O Amadeu é muito irritante. Não me deixa jogar. A irmã deixa e eu estava a jogar com ela. Depois, ele viu-nos e deve ter pensado coisas erradas, veio ter connosco e disse-me para me afastar. Ao mesmo tempo, agarrou a irmã pelo braço. Ela não reagiu muito bem por que ela também queria jogar e percebeu que quanto mais quer, mais a devem proibir, possivelmente por ser menina. Ela quase lhe bateu na cara. Juro, profe, ela estava mesmo com má cara. Ele teve bons reflexos e segurou-a mas a outra mão voou-lhe para a cara dela e, daí, eu não fiquei quieto. Onde já se viu um irmão bater na cara de uma irmã?
— Hum — reagiu Alexandra, pensativa. —, o que sei é que os irmãos costumam andar demasiado à bulha. És filho único por isso, não conheces muito e reagiste para a protegeres.
— Sim, completamente. Só que o senhor António chegou na hora da minha chapada e resolveu que eu é que tinha de ser afastado.
— Muito bem. Tenho um desafio para ti. Vais usar uma tela para despejares tudo. Raiva, irritações, tudo. Enquanto ficas aqui, eu vou procurar os irmãos para os ouvir também.
Foi preciso meia hora. A sua aula acabou por tardar e, de verdade, pouco foi aproveitada. Foram cerca de quinze minutos a conversar com o rapaz e outros quinze minutos com a sua irmã. Cada um, individualmente. E, ao fim de toda a conversa, Alexandra percebeu que realmente o rapaz, Amadeu, podia muito bem vir a ser bully e que batia por bater — isto é, para ele, bater compunha as coisas erradas da vida, mas Alexandra jurou que havia de procurar investigar este lado da situação: a razão pela qual o rapaz seria assim.
A irmã, por sua razão, odiava-o, pois, era igualzinho ao pai deles (será que o bater também se inclui?) E só queria jogar por desporto. Gostava não só de pintar quadros e pintar as unhas como gostava de desporto. Confessara até que adorava ser polícia embora viesse a ser muito complicado para tornar-se. No fundo, não parecia haver ciúmes da parte de ninguém. Apenas, dois jovens que queriam jogar e o mesmo rapaz os impedia. Agora, por que raio havia Amadeu de o impedir de jogar?
Por BEATRIZ SANTOS