Jaime fizera a família levantar-se cedo para irem apanhar o milho antes que se viesse a estragar. Levou a mulher, Cremilde, e os seis filhos. As raparigas, ainda ensonadas, ajudavam a mãe a debulhá-lo mas os rapazes, bem despertos e sempre prontos para as parvoíces, ajudaram a cortá-lo e logo, assim que se lembraram, pegaram numa espiga de milho e começaram a lançá-los uns aos outros. Fugiam, de igual forma, como se se tratassem de bombas de guerra e, uma vez atingidos, morressem.
A mãe, ao vê-los suspirou. Quem acabava sempre por ajudar mais eram as meninas. Não entendia por que raio os garotos só tinham intenções para o mal!
— Vá lá, rapaziada — refilou o pai, ainda que não mudasse nada.
— Sabes que não é assim que os levas — sublinhou Cremilde.
— Meus amigos — voltou a falar para os rapazes —, ou vocês estão para ajudar ou não verão sequer um prato de sopa ao meio dia.
A mulher abriu a boca. Era óbvio que os ia alimentar fosse como fosse porém adiante; se resultasse, tanto melhor.
Mas, a pior das hipóteses foi a que se assinalou. Os rapazes riam-se e fugiam entre eles com as espigas de milho para continuarem a bombardear. Lançavam-nos de um lado para o outro pelo ar, por cima do trabalho do pai e ao redor da mãe e irmãs.
Depois, uma presença pela qual ninguém deu conta de chegar, fez-se ouvir por entre toda a balbúrdia: — senhor Jaime, por aqui? — e tratava-se do conde da vila, um homem cheio de barriga e educado por sinal.
Com o susto de outra voz mais grossa como a do pai mas não sendo deste, o pequeno Artur, que era quem tinha em sua posse uma bombinha, lançou-a na direção do conde, acertando-lhe em cheio na cara.
Tudo ficou pasmado, de boca aberta com tamanho disparate e receosos pela reação do conde.
— Ai, meu Deus, está bem, o senhor? — quis saber Cremilde com as mãos a tapar a boca.
Jaime, por sua vez, aproximou-se do homem bastante constrangido. Também o pequeno rapaz o estava. — Está bem?
O conde, por sua vez, baixou-se com alguma dificuldade e pagou na espiga de milho, voltou a erguer-se e dirigiu-a à barriga de Jaime como se de uma faca se tratasse, entrando na brincadeira, e rodou-a na mesma como se lhe quisesse provocar ainda mais ferimento.
O pai, Jaime, primeiramente desconfiado, abriu a boca sem saber o que dizer e observava com alguma confusão. De seguida, percebeu o que se passava e inclusive teve vontade de rir.
E ia para se rir de bom agrado quando lhe surgiu pela frente outra personagem, igualmente de grande estatuto — as vestes, pelo menos, eram maravilhosas e vistosas, usava até um laçarote e tudo! —, travava-se do sobrinho maníaco do conde. Raça, mais ao estupor, que, de tão jovem e endinheirado, só sabia fazer porcaria pela vila, e que ninguém se atrevesse a queixar-me!
Agora, Jaime calava-se mas o conde continuava na sua e a rir. O seu sobrinho, por sua vez, entrou pela terra da horta a dentro e falou: — Oh! Mas o que se passa aqui? Meu tio? — o tio encolheu os ombros. Não para atribuir a culpa de alguma coisa à família mas, por que o sobrinho nada tinha a ver com isso. — Muito bem — voltou-se o jovem para Jaime. — Faço ouvir-me. Viemos ao seu encontro por que ouvimos escutar muito bem do seu milho. Assim sendo, viemos contratar, por seis meses, os vossos serviços. O que nos dizem?
A família ficou num espanto e entusiasmo nunca visto. Era uma bênção que fossem contratados! Significava alimento por uma boa temporada. E, oh, se não vinha mesmo a calhar..!
Por BEATRIZ SANTOS