CRÔNICAS – Passo a passo por Neri Cappellari

CRÔNICAS – Passo a passo por Neri Cappellari

           Hoje, como faço em todas as sextas-feiras, fui à fruteira. Normalmente esse dia é de muitos compromissos. Os ponteiros do relógio comandam a minha agenda, mas, mesmo assim, não deixo de ir à feira. Ela fica um pouco distante, a oito quadras para ser mais exato, mas tem os melhores e os mais frescos legumes e frutas do bairro. Após uma longa e minuciosa escolha de vários produtos, consegui encher o carrinho.  Logo depois, dirigi-me ao caixa. Após o registro dos produtos, levei a mão ao bolso para retirar a carteira. Para minha surpresa, não a encontrei.  Imediatamente me lembrei que a havia esquecido em casa.  Pedi ao caixa para colocar as compras em um lugar reservado, enquanto eu ia buscar a carteira.

            O fato de ter que caminhar oito quadras na ida e oito quadras na volta fazia meu sangue ferver na manhã daquele dia. Durante a primeira metade do percurso de retorno a casa, fiquei falando comigo mesmo e estava completamente irritado com o meu lapso de memória. Como eu pude ir à feira sem o elemento mais importante para adquirir os produtos: o dinheiro.  Estava indignado com meu esquecimento e certamente possuía um olhar de poucos amigos.  A passos largos, ia contando os minutos para chegar ao meu destino.

            Contudo, à medida em que fui caminhando, comecei a perceber que fazia um belo dia. O Sol brilhava com toda a sua grandiosidade e parecia não se importar com a minha indignação. Eram 9 horas daquela sexta-feira.  O prenúncio da primavera mostrava-se com todo o seu esplendor naquela manhã de setembro. Os ipês amarelos floridos espalhados ao longo do meu caminho  estavam nem um pouco preocupados com meu estado de mau humor.

            Aos poucos, conforme me acalmava, a nuvem negra que pairava somente sobre a minha cabeça foi se dissipando. Afinal, uma carteira esquecida despontou um belo e ensolarado dia. Quando finalmente cheguei em casa, já estava com o semblante mais leve e bem humorado. Peguei a carteira, que pacientemente me aguardava, em cima do móvel de cabeceira do meu quarto, e retornei à mercearia. Mais oito quadras me distanciavam do outro destino, porém, àquela altura, já estava conformado com a situação.

            Quando retornei à mercearia, alguma coisa tinha mudado dentro de mim. O mau humor da vinda já tinha ido embora. Estava feliz e agradeci a minha carteira por ter aberto meus olhos e ter me proporcionado aqueles momentos de lucidez. Passei inúmeras vezes por esse mesmo caminho em vários anos de feira. Os mesmos edifícios, as mesmas casas, a mesma praça, a mesma rua, a mesma calçada. Entretanto algo ocorreu naquela ensolarada manhã de primavera. A mudança não estava nos lugares que eram sempre os mesmos, mas, sim, na maneira com que eu passei a vê-los.

            A agenda poderia ser remarcada, e os compromissos não deixariam de ser cumpridos.  Aquele início de um final de semana estava me ensinando algo. Podemos percorrer o mesmo percurso inúmeras vezes, porém uma perspectiva diferente sobre esses caminhos é que pode definir formas mais humanas de um olhar. À medida em que eu me deslocava, os passos, antes largos, agora eram substituídos por um caminhar mais leve e mais curto.

            Pressa para quê? – pensei comigo mesmo.

            O passo a passo é que define a jornada…

Por NERI CAPPELLARI

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