SEMEANDO A ESCRITA – Espaço aos semeadores: Depoimento por Felipe Rocha

SEMEANDO A ESCRITA – Espaço aos semeadores: Depoimento por Felipe Rocha

 

 

FELIPE ROCHA ,é escritor e graduando em Comunicação Social/Jornalismo na Universidade Federal de São João del-Rei, MG. Participou de várias antologias com contos e crônicas, além de escrever três web novelas publicadas em blogs. Apaixonado por literatura e entretenimento, almeja carreira no jornalismo cultural. Publica em seu instagram (@feliperochahll) textos e frases autorais, à luz das ciências humanas.

 

Depoimento

 

Imagem de Giovannacco por Pixabay

 

Era uma terça-feira de manhã. O sinal acabara de tocar. Não era como nos anos 1990, na época dos nossos pais, em que se tocava uma musiquinha instrumental. Em vez disso, tocava funk. Sempre achei horrível isso. Que sentido tem colocar esse tipo de música para tocar numa escola? Enfim, mas isso não importa. O que realmente é relevante é que na sala, estava eu e um aluno escrevendo no quadro. Aí o leitor apressado interroga: mas cadê a professora? Pois bem, estávamos à espera dela. Nessa hora já contabilizava uns cinco minutos de atraso. E aí o leitor novamente pensa: mas que metódico você! Não, não, meu querido e estimado leitor, apenas quero que você tenha uma imersão completa nessa narrativa.

Então, voltando ao que eu estava dizendo… Os alunos se assentavam feito loucos e todos estávamos à espera da professora. A verdade é que era uma ocasião especial. Indubitavelmente, o atraso e a demora dela seria porque estava recebendo muitos parabéns e flores dos funcionários do colégio. E eu e meu amigo fizemos questão de tornar esse momento de celebração da vida dela mais do que especial. Queríamos demonstrar todo nosso carinho, afeto e respeito neste dia do aniversário dela. E fizemos isso por meio das palavras. Então, lembro-me que pegamos os pincéis de dentro do armário e começamos a enfeitar o quadro com desenhos e dizeres parabenizando-a. Cada um assumindo uma tarefa, sendo eu responsável por escrever a mensagem de feliz aniversário e ele de desenhar. Pois eu, queridos, eu não sei desenhar nenhuma vírgula. Tô fora disso!

Então, comecei a escrever a mensagem no quadro. E eu, que sou escritor desde que me entendo por gente ou desde pequeno, sempre gostei de escrever coisas sofisticadas, palavras que não são tão comuns e que as pessoas não dizem. Sempre gosto de incrementar meus textos com algum tipo de poesia, utilizar o sentido figurado, dentre outros. Logo, fiz isso. Para mim, não se trataria apenas de escrever uma mensagem que dissesse: “Feliz Aniversário! Muitas alegrias, saúde e paz” e blá, blá, blá… Esse tipo de mensagem todo mundo escreve! Mas eu não! Não sou obrigado a seguir nenhum padrão. Queria uma coisa diferenciada.

Escrevi três palavras. Sem mesmo eu olhar para trás, senti que o burburinho que tomava conta daquele ambiente se desfez em silêncio absoluto. Senti que estava sendo encarado também, caçoado pelas costas. Pois as minhas três palavras diziam: “Feliz Nova Primavera”. Eis que vieram duas atrevidas e se fizeram presente ao meu lado, num passe de mágica e de ignorância! E tiveram a coragem, a audácia de me interpelar dizendo: “Primavera? Mas estamos no verão! O que tem a ver primavera com aniversário? Nada!”. E começaram a abrir suas bocas com a maior força para debochar, rir e focar com os demais da turma, pois era só aquilo que eles sabiam fazer, mais nada! Aos fundos, ouvi alguém dizer: “Ele está ficando doido, só pode!”. E meu amigo, coitado, que também não entendia muito de poesia, também se demonstrou confuso. Ousou em concordar e dizer a mesma coisa que aquelas duas meninas disseram. Ah, se ele soubesse a raiva que eu tive dele nesse momento! A minha reação foi não acreditar no que eu estava ouvindo. Eu estava sonhando, só pode! Por fora estava morrendo de ódio, mas por dentro eu soltava aquela risada, gargalhada interna das grandes. De dó, de pena daquelas pessoas!

Caro leitor, infelizmente, essa não é a primeira vez que acontecia situação semelhante àquela daquele dia. Esse é só um recorte, de insatisfações muito maiores que tive que ouvir em relação à minha escrita em contato com pessoas da mesma idade que a minha. Ah, se eu fosse contar tudo o que passei, daria um livro!

Imagem de Kasuntharaka93 por Freepik

 

Pensei em explicar, já que a ignorância era tanta e a falta de sensibilidade maior ainda, mas achei melhor não gastar saliva com esse tipo de gente. E sem contar a falta de interpretação de texto! Vejam só, queridos, que ironia: a professora que estava fazendo aniversário ministrava aulas de Redação e de Língua Portuguesa, e de uma forma muito decisiva pois o vestibular se aproximava e, ainda assim, os alunos não sabiam interpretar texto, nem mesmo entender que nem sempre as palavras têm sentido literal, mas figurado! Acredito que um dos maiores problemas da humanidade e das falhas de comunicação que giram em torno disso é o déficit de interpretação de texto! Isso somado ao excesso de literalidade que as pessoas atribuem às palavras. Que chatice isso! Uma escritora que admiro muito uma vez disse assim: “Vamos voar, pessoal!”. E eu concordo totalmente. Vamos imaginar! Os textos que nós, autores, escrevemos não são para seguir padrões jornalísticos, que impedem o uso de recursos estilísticos e figuras de linguagem. Um texto que não se destine a esses fins, mas a sim entreter o leitor, tem que ter o mínimo de carga poética, figurada, de fantasia para conquistar, fisgar quem está lendo. E a categoria que mais sofre nesse processo somos nós, escritores, que temos que aguentar deboches, pois as pessoas acham que o que escrevemos é de outro mundo. Isso acontece pois não são todos capazes de ter um olhar poético, que enxergue o mundo com o coração, com sensibilidade. E eu sempre enxerguei aniversários assim.

Imagem de Stockking por Freepik

 

Um aniversário não é só mais um ano na vida da pessoa. É uma volta completa em torno do sol que a pessoa está terminando e irá iniciar. É um novo ciclo. É tempo de renovação, portanto, de primavera! Assim como a primavera como estação do ano, vem para renovar toda a natureza, desabrochar as flores e encher o mundo de cores, que ela floresça nossa alma não só a cada aniversário, mas em todos os dias da nossa vida. O grande dramaturgo William Shakespeare dizia: “Plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores”. Portanto, que sejamos nós a nossa própria primavera! Aí está o significado de “Feliz Nova Primavera”, que eu escrevi no quadro no dia do aniversário da professora.

Eis que a professora chegou e desfez todas as minhas expectativas. A reação dela foi muito aquém delas. Esperava que ela, como docente, pudesse compreender minhas palavras.  Talvez porque estivesse cansada ou quisesse começar a aula logo para iniciar as comemorações.

Imagem de Stockking por Freepik

 

Eu era um jovem de 16 anos na época. E em toda a minha vida eu enxerguei o mundo assim: de forma poética. E expressava isso através da escrita, meu ofício predileto. Escrever para mim é mais do que traduzir a realidade em palavras, é conversar com meu público, é desabafar com meus leitores, é uma ferramenta profunda de transformação interior e ressignificação dos acontecimentos. E os jovens da minha idade nunca me deram espaço para que eu comunicasse com eles e nunca fizeram esforço para entrar no meu universo! Se eles o fizessem um pouquinho talvez a gente conseguisse se entender. Mesmo assim, acho que seria difícil, pois cada um tem seu modo de enxergar as coisas. Aí está outro defeito dos tempos modernos: a falta de empatia. Pois é difícil acolher aquilo que é diferente, que destoa dos padrões. Tudo isso culmina em exclusão, por isso não faço questão de lembrar dos tempos de colegial.

Apesar de todos os imbróglios que enfrentei, eu tenho a felicidade de dizer que consegui conquistar meu próprio público. E eles são minhas preciosidades, a melhor coisa que um escritor poderia ter, pois me entendem completamente. Sou eternamente grato a todos que me acompanham. E fiquem tranquilos, meus amicíssimos leitores, eu jamais irei mudar meu estilo de escrita para me encaixar em algum grupo, para esclarecer ou agradar a alguém. O escritor não escreve para agradar todo mundo. Mesmo assim, ele nem consegue, pois cada autor tem uma identidade. O escritor escreve em busca daqueles que se identificam com ele. E é assim que funciona a vida. Portanto, para os meus colegas escritores, que não permitamos que as pessoas tirem a nossa magia de escrever e compreender o mundo à nossa volta.

Imagem de Freepik

 

Por LILIAN BARBOSA

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