Nascera em uma família de gente pequena. Sua mãe possuía um metro e 47 centímetros e ao lado de seu pai de 1.48 criaram duas filhas. Em toda família, incluindo tios e tias, todos eram de baixa estatura. Isso não era um problema para eles, mas Nina queria ser grande. Desde nova, ainda criança, assistia em programas de televisão aquelas mulheres altas que ainda por cima usavam salto alto e considerava aquele padrão como o ideal. Passou a pedir a cada aniversário um tipo de sapato mais alto. Não se contentava com tênis, sandálias ou chinelos. Muitas vezes, deixava de brincar com outras crianças pelos tamancos que usava. A mãe se preocupava com a obsessão de Nina com a própria altura, mas cria que isso passaria com o tempo. Simpática de temperamento forte, não cedia fácil aos “nãos” da vida. Gostava acima de tudo de ajudar a todos mas era obstinada com o que queria e ser grande era um dos objetivos.
Era estudiosa e como não era muito de brincar ao ar livre e fazer as peraltices típicas do universo infantil, se dedicava aos livros e com grande imaginação literária, se considerava grande. Alguns achavam que Nina não brincava por conta de supostos apelidos carinhosos ou pejorativos que ela rechaçava. Bastava uma “baixinha” para sua tez se avermelhar e ela correr para casa. Uma vez uma amiguinha disse que ela era “fofa” e isso foi suficiente para Nina acabar com a brincadeira. A mãe não achou nada demais no elogio carinhoso, mas Nina achava que implicitamente estavam chamando-a de pequena. Preferia então se recolher nas leituras e só com o tempo entendeu que a “fofice” que possuía não dizia respeito a sua altura.
A cada passo de sua vida conquistado, comprava um sapato com um centímetro a mais. Foi assim quando se formou no segundo grau e, em sua formatura, pediu de presente aos pais um salto alto de sete centímetros para que fosse na cerimônia. Mesmo contrariados, não hesitavam em conceder este capricho a Nina, diante do fato que era sempre muito dedicada aos estudos. Com os saltos cada vez mais altos, era normal que vez ou outra tropeçasse e caísse. Às vezes torcia o tornozelo, mas Nina não esmorecia. Reclusava-se em casa para não sair na rua sem salto e assim que se recuperava, lá estava ela de salto novamente. Seus pequenos e rechonchudos pezinhos caminhavam com desenvoltura naqueles tamancos, sapatos-alto e saltos-agulha e de longe, quem a avistasse não percebia sua altura original.
Quando resolveu entrar para faculdade, foi uma comemoração geral em família e se deu de presente um salto de nove centímetros. Demorou um pouco para se acostumar com a diferença de dois centímetros, mas treinava em casa diariamente até conseguir andar com naturalidade. Nas saídas com as colegas do curso, sempre ao lado das mais altas, andava mais rápido, mesmo com esforço para acompanhá-las. Terminou o curso com todo o mérito e com o primeiro emprego comprou com seu primeiro salário um salto dez, considerado para muitas bastante difícil de usar. Contudo, Nina não achou impossível e se dedicou junto ao concurso para magistratura a caminhar com aquele salto difícil. Paralelamente, ajudava suas amigas em tudo que podia e volta e meia ouvia um “fofa” como elogio. Mas Nina fingia que não ouvia.
À medida que treinava, suas quedas eram frequentes, assim como a dedicação ao concurso, talvez o mais difícil da sua vida até então. Porém, o espírito obstinado de Nina não se abatia e com o salto dez assumiu a magistratura que tanto sonhava. Com mais esta conquista, Nina passou a dar suporte aos seus familiares, além de amigos e qualquer pessoa que precisasse de ajuda. Todos sempre ficavam muito agradecidos a Nina, mas tomavam cuidado com os elogios, em especial “fofa” que para ela significava pequena. Na cerimônia de posse, entrou com seu salto dez já imaginando o próximo salto que viria adiante.
Um dia, ao presidir um julgamento importante, ouviu de uma pessoa que estava na audiência: “Nossa, que juíza fofa”. Nina ficou sem reação. Não sabia muito bem se haviam avistado seu tamanho, se haviam percebido seu salto e como poderiam, visto que ela estava atrás da mesa e sua postura era alta. Como poderiam achá-la “fofa”? Para Nina, só poderia ser por conta da sua altura. Retirou-se da sala com o rosto rubro levando sua secretária a questioná-la se estava tudo bem, mas Nina desconversou e cancelou o resto do trabalho do dia e correu para casa. Ao chegar, retirou seus saltos de doze centímetros e andou vagarosamente pelo corredor de sua casa, pisando firmemente com seus pequenos pezinhos no chão. Olhou-se no espelho e ali viu aquela mulher pequena que havia conquistado tantas coisas grandes. Percebeu naquele momento que talvez fosse fofa e que quem sabe a tal fofura não fosse uma ode ao seu tamanho, mas à sua postura. Viu que a grandeza que possuía era de outra ordem e sentiu pela primeira vez um alívio. Abraçou-se em frente ao espelho emocionada.
No dia seguinte, Nina chegou mais tarde no trabalho. Passou antes em uma sapataria e logo perguntou qual era o calçado mais baixo disponível. Alguns modelos foram apresentados e Nina comprou todos. De lá saiu já calçada com um deles e ao chegar no trabalho, todos pararam para ver Nina em seu tamanho original, de sapatilha baixa. O espanto não foi maior do que o sorriso que brotava em quem a via. Ao entrar em sua sala, ouviu o sussurro: “É uma fofa esta baixinha”. Nina riu.
[1] Para minha amiga Fernanda.
Por THEODORA DE CASTRO