Sempre que dirigia sozinha naquele lugar sentia uma pressão bem na boca do estômago. Ainda mais neste horário em que as trevas já dominavam aquela cidade violenta. Ao longo da avenida, a iluminação amarelada insuficiente criava sombras assustadoras e escondia os buracos no asfalto precário. A paisagem variava em tons de desolação marrom e cinza e poças sujas. Não havia qualquer sinal de vegetação, já que, provavelmente, teria sido arrancada já há muito tempo para dar espaço à decadência árida e cinza. Os postes envergados sofriam com o peso da grossa fiação prestes a cair sobre a calçada. Os outdoors esquecidos nos prédios abandonados estampavam imagens desconexas: um pedaço de rosto, um meio sorriso ou só uma sílaba da mensagem. Os pedestres tensos e apressados pareciam idênticos imersos na fumaça dos carros e poeira de asfalto. Os motoristas forçavam o limite da prudência numa fuga constante de um perigo oculto que pairava no ar. Não se ouviam vozes, só o canto dos pneus, o ronco dos motores, buzinas e sirenes.
Para piorar, naquela noite, começou a chover forte. A visão bem mais limitada deixou-a tão tensa que seus ombros doíam. De repente, quando passou por um buraco, espirrando água suja nos pedestres, assustou-se com uma buzina e, ao se esquivar, entrou numa rua estranha e escura. Não conseguia enxergar nada além do curto alcance dos faróis. Via vultos passarem na sua frente e nas laterais, então acelerou o quanto pôde. Uma luz forte vindo em sua direção a cegou por um instante e, em pânico, reagiu virando todo o volante. A manobra abrupta a fez derrapar e, depois, girar, girar e girar, parando bruscamente logo em seguida. No breu total, desesperada e tonta, tentou ligar o carro em vão. Pela primeira vez na vida, não sabia o que fazer. O desespero a paralisou e as lágrimas começaram a brotar e escorrer quentes em seu rosto. Encostou a testa no volante. E orou. E apagou.
Acordou com a luz tênue da manhã no horizonte, num deslumbrante degradê do rosa até o azul escuro da noite que se despedia. O mar mais à frente era um espelho do céu. As águas mais próximas do horizonte exibiam pontos flutuantes de brilho intenso aqui e ali.
Era um espetáculo diário gratuito de recomeço, que sempre esteve ali, mas ela nunca havia percebido ou, talvez, jamais tivesse se permitido enxergar. O esplendor daquele sol nascente, aquela imensa bola de fogo bem ali na sua frente, a convidava a ser – e viver – de um modo que nunca havia concebido antes.
Por ANGELA TERESA BATISTA