A página e o 12º andar do ano
Por Márcia Neves
Como num virar de páginas.
Ano após ano, chega o Natal.
Trazendo consigo a renovação
E a esperança de boas novas.
Feito momento mágico
Chega o Natal
Trazendo consigo a magia
Dos meses de si e de profundas reflexões
Como estrelas no céu
Brilha a noite de Natal.
Suave e coberta de desejos leves.
Ao fazer-se rascunho
Para um novo capítulo
Como em histórias fantásticas
Tem-se o protagonista
Celebrando suas peripécias
De uma trama desenrolada
No décimo segundo andar
Numa noite de Natal
Chega, afinal, o desfecho aberto.
De uma crença festiva
Percebida, amiúde, por cada um.
Que para algumas famílias
São luzes que se reacendem na 12ª página.
Para outras, apagam-se no 12° andar do ano.
Querido(a) leitor(a);
De bloco em bloco, capítulo por capítulo, tecemos a história mais incrível do mundo, que merece ser contada. Para isso, surgem memórias atreladas aos sentimentos, experiências e crenças que partem de um coletivo ao individual, para depois, inverter-se e revelar-se. E como é mágico ter histórias e experiências para contar! Pois, a partir delas, criam-se laços que, com o passar dos anos, podem manter-se atrelados ou desatar-se.
O Natal, além de ser uma data festiva, que se origina de crenças e religião, é uma representação individual de nossa capacidade e da necessidade de ter um olhar criterioso para si, de dar uma pausa para comemorar e, sobretudo, rever a própria história, olhando do alto e de dentro, enquanto embarca na história de um protagonista que insiste em nos lembrar da necessidade de sermos leves, festivos e gratos. Ao mesmo tempo, em que nos colocamos diante de um contraste social vivido por outros personagens, na mesma época, na mesma página e no 12° andar, este embarque pode ser apenas mais um dos espetáculos e fantasias que só fazem sentido para aqueles que estão no palco principal ou na cobertura do edifício.
A 28ª edição da Revista Internacional The Bard surge como um livro, que para alguns pode ser mágico, revelador, para outros, nem tanto assim; entretanto, com desfecho aberto, permitindo a cada leitor, a partir do próprio clímax, construir um final que dialogue, vá ao encontro de suas crenças, realidade e necessidade de transformação, ou até mesmo, quebre expectativas. Mas, é uma edição que traz consigo, independente do que cada ser humano acredita, a percepção de que é preciso um momento para reafirmar crenças, comemorar a vida e reacender a chama da esperança e dos valores que nos transformam, que constroem nossas memórias e emoções, como o amor, o cuidado, o perdão, a solidariedade, fraternidade, etc. O décimo segundo andar do ano nos convida a esse momento de reflexão precisa, e a literatura, como sempre, é o elevador que nos conduz a todos os andares do ano, onde só a poesia é capaz de nos fazer andar e viver por cada um deles.
Sigo contente e agradecida por poder colaborar para a Revista Internacional The Bard. Espero que esta coluna, não só reacenda suas luzes de Natal, como desperte em você um olhar sensível e reparador para situações que permeiam outros espaços, outros andares, que não os seus. Que a poesia permaneça sendo nossos sinais visíveis de humanidade.
A autora
Imagem de Ma Li por iStock
Natal, arte e poesia: cultuando a vida
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
(Machado de Assis — escritor brasileiro)
Segundo Alfredo Bosi (intelectual, considerado um dos maiores críticos literários do país — autor do livro História Concisa da Literatura Brasileira, e tantos outros), a palavra cultura advém da palavra “Colo”, cujo significado em latim é “eu moro, eu cultivo”. No entanto, como elemento transformador de pessoas, a cultura ultrapassa as dimensões de sua etimologia para fincar-se, tão somente, no seu papel preponderante de conectar pessoas no mundo e construir identidades de um povo, permitindo essas pessoas encontrarem sua forma de estar nele.
Na origem latina, tanto o substantivo cultura quanto o verbo cultuar (advindos do latim) têm o seu significado relacionado a cultivar. São identificados como patrimônio social de um grupo e se manifestam através da arte, da dança, da música, da poesia, da literatura, da comunicação (idiomas e variações linguísticas) e até da geografia e gastronomia de cada região. O “culto” se concentra em práticas mais restritas, como as religiosas, incorporando-se à cultura como parte de sua composição.
Tendo em vista a origem (significado etimológico) da palavra cultura e as referências construtivas resultantes dela, nota-se sua primordial necessidade de manter-se viva e presente na formação de todo sujeito e na construção de uma sociedade compreendida e zelada pelo mesmo. Faz sentido para você? Pois bem! Se algo faz sentido para alguém, obviamente esse alguém reconhece o seu entorno e o preserva, e ao fazer isso, participa de um processo de construção e de conservação de valores, histórias e memórias que o convertem de indivíduo a cidadão de direitos e deveres; o contrário disso pode soar extremamente perigoso para alguém que não se reconhece parte de um lugar, de um povo, de uma história, ou até de si, podendo estar à disposição de qualquer contexto, como “marionete” para qualquer espetáculo, como exemplifica a frase “clichê”: para quem não sabe onde quer chegar, qualquer caminho serve. Cultura, então, pode ser entendida como o que acontece com o conjunto de ideias e tradições de um povo que surgem e se repaginam a cada geração, uma espécie de ser inanimado, que vive em cada um, em cada lugar, em cada época, que nunca morre, ou não deveria, ao menos. Cabe ressaltar, inclusive, a beleza de todas elas: não há a mais ou a menos bonita, há culturas diferentes, em épocas, lugares e com pessoas diferentes. E ainda, há culturas universais e atemporais, como o Natal e todo seu advento.
Toda essa diversidade cultural faz com que tenhamos nações e mundo conectados, equitativos e inclusivos, capazes de construir sociedades acolhedoras e cuidadosas, assim deveriam. Eis que surge aqui, um dos sentidos, também, resgatados pela época de Natal (acolher, cuidar).
Imagem de Francesco Sgura por iStock
Não vejo outra forma de falar de datas comemorativas, especificamente do Natal, sem mergulhar no assunto de cultura e defender sua importância, até porque não devo deixar de considerar a totalidade de cada ser humano, enquanto sujeito singular, de ética, de valores e educação na composição de um mundo melhor, partindo de si. Logo, não há como omitir que a cultura é um sinal de humanidade, que todos a vivem, mesmo sem se dar conta disso, que todos precisamos dela e somos protagonistas na sua manutenção e reforma. Que é algo produzido, criado, contextualizado, naturalmente inevitável, mas precisa de sabedorias para entender, reconhecer e se inserir, e ainda, é pública, livre e social, e não deve, jamais, ser “gatilho” para exclusão de nenhuma espécie.
A palavra Natal, por sua vez, partindo de sua etimologia, equivale a nascimento (natalício), de onde se pode referenciar a festa de aniversário do maior representante do cristianismo. Logo, Natal é uma festa simbólica em comemoração à vida, para que se recorde e comemore a reencarnação de Jesus Cristo, segundo as tradições do cristianismo; mas, antes disso, há na cultura romana outra referência cultuada ao Deus Sol (a luz que nunca se apaga), fazendo menção a esta mesma comemoração incluída no calendário cristão por volta do ano 350. Com base nisso, é possível reassegurar certo valor espiritual e de ressignificação pessoal e familiar, uma vez que a família constitui uma base, um núcleo significativo na formação de uma sociedade.
Assim como todo e qualquer processo de ressignificação, surge o mundo moderno trazendo outro significado para o Natal, atrelando-o unicamente a uma data (25/12 no Brasil) e, infelizmente, cada vez mais ao mundo comercial, como muito bem ilustrou o Papa Bento XVI:
“Na sociedade consumista de hoje, esta época (de Natal) é, infelizmente, sujeita a um tipo de poluição comercial que ameaça alterar seu verdadeiro espírito, caracterizado pela meditação, pela sobriedade e por uma alegria que não é externa, mas íntima”. (Papa Bento XVI, professor acadêmico alemão, Papa Emérito 1927 De verdade, Alegria-Fonte: https://citacoes.in/topicos/natal/)
Porém, independente disso, é uma época com sentido familiar e de reconhecimento/reflexão pessoal (época sensível e um convite para se fazer um exame de consciência e renovar ciclos que fortalecem a caminhada), de reunião, perdão e festa. E ainda, num entorno social, de solidariedade e empréstimo. Empréstimo de amor, de carinho, de risos e abraços, mesmo por um dia, diante daqueles para os quais podemos fazer o seu dia mágico de Natal acontecer.
Imagem de Nicole Michalou por Pexels
Por mais que o Natal esteja relacionado ao cristianismo e não faça parte da cultura de outras religiões, indiretamente, por valores humanos e socioculturais que são difundidos, memorizados e fortalecidos, acaba sendo um evento universal com épocas e datas distintas, até mesmo tendo em vista as relações humanas e processo de imigração e emigração. Uma vez que essas comemorações atravessam interesses comerciais, acabam interferindo, de formas diferentes, também na alegria de todos. E, por ser um tempo de esperança e de renovação, encontra-se mais vez, tanto pela etimologia quanto pelas circunstâncias, com a palavra cultura.
Natal, arte e poesia: o que a literatura tem a ver com isso?
A literatura surge como suporte de organização, entretenimento, inclusão e reestruturação, enriquecendo a celebração das datas comemorativas e colaborando para a perpetuação de tradições, valores, crenças e costumes. Funciona como meio diversificado e flexível, para comportar valores, tradições e fomentar a imaginação e criação de lugares melhores para estar, por meio dos livros, onde é possível abordar em gêneros textuais para todas as preferências, por exemplo, valores que o Natal representa: amor, empatia, solidariedade, perdão, esperança.
É por meio, principalmente, de obras literárias, que as tradições culturais se popularizam e enfatizam a importância de cada tema. As literaturas, aqui em especial, a literatura natalina, por meio da arte literária, pelo processo de criação e imaginação, com suas histórias e personagens, proporcionam não só às crianças, mas a leitores de todas as idades, momentos relevantes e de identificação. O Natal pode ter seu sentido renovado, inclusive, a partir dos livros, como o que aconteceu em 2023, pela editora Valleti Books, com o lançamento da antologia de Natal Conto por conto, em que, entre ficção e realidade, de forma mágica, os autores registraram suas impressões e referências históricas e culturais sobre o Natal.
Além disso, e de alta relevância, devo ressaltar a importância da literatura ao promover momentos mágicos de leitura entre famílias e amigos, proporcionando, além da criação de elos afetivos, memórias para uma longa vida.
Imagem de KonstantinMaslak por iStock
A literatura é um meio pelo qual se conecta, se comporta e se constrói novas perspectivas de vida, uma vez que nela cabem não só o mágico, a fantasia e a imaginação, mas também o mundo crítico e contraditório tal como se apresenta a realidade.
Nenhuma data comemorativa, por mais histórica, cultural e festiva que se apresente, apaga dores causadas pelas desigualdades e injustiças sociais (provocadas pelas próprias ações do homem); todavia, eis a literatura, no seu papel “salvador” fazendo com que vejamos a vida de forma mais leve e interessante, e suportemos com mais entendimento e bravura, as mazelas do mundo. Literatura tem tudo a ver com tudo, e a poesia é a forma como lidamos com ela, tornando mágica a nossa e a vida de todos.
Afinal, assim como Dick Van Dyke (cantor, dançarino, ator e comediante norte-americano), eu desejo a você o verdadeiro espírito do Natal.
“Estou pensando em você hoje porque é Natal, e eu lhe desejo felicidade.
E amanhã, porque será o dia seguinte ao Natal.
Eu ainda lhe desejarei felicidade.
Posso não ser capaz de lhe falar sobre isto diariamente, mas:
Porque posso estar ausente, ou podemos estar muito ocupados.
Mas isso não faz diferença.
— Meus pensamentos e meus desejos estarão com você da mesma forma.
Qualquer alegria ou sucesso que você tenha, me fará feliz.
Me iluminará por todo o ano.
Desejo a você o Espírito do Natal”.
Por MÁRCIA NEVES