CONTOS – Noite da véspera por Alberto Arecchi

CONTOS – Noite da véspera por Alberto Arecchi

O homem estava avançando no caminho, para a luz bruxuleante do casebre em ruínas. A grama rangia sob as solas pesadas de seus sapatos velhos. Uma rajada de vento trouxe o som dos sinos. Na igreja da vila começava a missa de Natal. O canal estava a poucos passos de distância, e na escuridão seria suficiente colocar um pé errado para deslizar na água. Ele apertou a garrafa na mão e avançou em direção à casa. Nos degraus, quase completamente cobertos por grama, flutuava uma nuvem de luz. O homem ouviu umas vozes, se escondeu atrás da porta e olhou para dentro. Dois círios estavam acesos. No chão, outra vela. Empacotado em uma casaca enorme e consumpta, um homem velho estava agachado com as pernas cruzadas e tentava acendê-la: a agarrava e aproximava o fósforo, mas quando as chamas vieram tocar o pavio o tremor violento de suas mãos já tinha desligado. A mulher arrebatou os fósforos e acendeu a vela. O novo brilho flutuante desenhou sombras nas paredes. O homem por trás da porta hesitou. O quê faziam esses dois, no seu retiro? Empurrou a porta e as dobradiças enferrujadas rangeram.

— Como vocês conseguiram entrar? — Deixou-se escapar o dono “legítimo”.

— Estava aberto! — Murmurou o velho, encolhendo os ombros e aconchegando-se mais profundamente em seu casaco disforme.

— Se você é o proprietário, pedimos humildemente perdão, – acrescentou a mulher – mas entramos sem forçar qualquer porta ou fechadura e nenhum alarme nos avisou que estaríamos em casa alheia. Pensávamos poder procurar abrigo aqui, pelo menos por uma noite. —

O tom da resposta não escapou e o homem se sentiu compelido a mudar sua expressão de agressão inicial para a condescendência de um verdadeiro mestre da casa. Ele convidou os dois para ficar. — Não é o espaço que falta, embora meu apartamento não seja tão confortável. —

Não havia comida, nem lenha para se aquecer. O homem levantou a garrafa, para oferecer um gole aos dois novos inquilinos. O velhote bebeu, limpou a boca grunhindo, com as costas da mão, e passou a garrafa para a mulher. Ela estava para aproveitar, quando um barulho repentino balançou a porta frágil. A mulher parou, colocou a garrafa para baixo (com cuidado, para não deixar o vinho verter). Na penumbra, uma silhueta gordinha apareceu pela fresta da porta. Parecia um rato, cheirando o ar cautelosamente, à procura de comida e calor. Ela não perdeu a oportunidade. Estalou em silêncio, como um gato. O roedor, surpreso, mal teve tempo de se virar, mas ele foi agarrado pela cauda. Um momento depois, a mulher estava-lhe batendo a cabeça no parapeito da janela. Não era um rato, mas um caxingui. Algumas libras de carne saborosa, a não dizer deliciosa. O velho tirou do bolso uma faca pequena e, com incrível habilidade, começou a esfolar a presa. Seus gestos revelavam a longa prática de comer pequenos animais: ratos, toupeiras e coelhos eram sua dieta predominante desde tempos imemoriais. — Saia! – Ordenou-lhe a mulher – Não vé que está sujando? —

O velho viu uma espécie de bandeja, jogada em um canto. Ele pegou e saiu. Voltou com a bandeja coberta com um guisado de carne fresca. O caxingui tinha-se transformado em alimento, apenas ficava por cozinhar. Em outro quarto havia uma lareira, talvez fosse a cozinha do passado. Perto do fogo, o homem tinha pegado ramos, madeira e jornais velhos. Era hora de a lareira reviver. A mulher procurou uma panela ou um espeto, para cozinhar a carne sobre as brasas.

Ajustando-se com o que encontraram no casebre, os três foram capazes de compensar uma refeição quente, molhada com a garrafa de vinho. O proprietário chegou a oferecer até mesmo o seu pão com queijo, depois de ter quebrado em três partes iguais, com um gesto quase religioso, que por um momento recordou a divisão do pão místico, naquele lugar cheio de abandono. Só então, os sinos da igreja tocaram a meia-noite. Era Natal, lá fora. Natal parecia ter tocado mesmo aquela casa. Os três tinham vindo até reunir o pouco que tinham, a moradia e a comida. Estavam recolhidos em seus trapos, no velho colchão. As brasas da lareira mantinham um calor confortável e o bom vinho estimulou o sono, a paz. Na noite sem lua, os ruídos enfraqueciam-se. Era como se o mundo quisesse cobrir o passado das coisas e dos homens, para acordar no dia seguinte em um novo amanhecer, que teria surpreendido três pessoas abraçadas, até então desconhecidas, a barriga por uma vez cheia.

Por ALBERTO ARECCHI

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pular para o conteúdo