Ontem encontrei uma amiga que voltava de um período de trinta dias de férias. Trabalhamos juntas há um tempo. Estávamos sem contato desde então, acho até que havia trocado de número. Parecia muito feliz, na verdade, estava.
Cristina era uma boa amiga, mas quase sempre estava insatisfeita com algo. Reclamava do tempo, dos gestores, dos homens, do emprego, da cidade… Não havia um só dia em que algo não merecesse sua desaprovação. Apesar desse hábito, tinha qualidades que me mantinha por perto.
Era confiável e honesta, sabia ouvir, quase sempre tinha um bom conselho, indicava os melhores filmes e era também muito solidária.
Logo que a vi ela disse a frase que me fez escrever este texto: amiga, comecei do zero!
Quantas vezes não li essa frase, quantas vezes não precisei recomeçar também, ou quis. Quantas vezes me perguntei por onde começar, porque às vezes um banho quente resolvia tudo e eu sempre começava por ele.
Mas, Cristina respondeu minhas indagações de uma forma diferente e me trouxe outra percepção.
Disse que a primeira coisa que fez foi pintar o quarto (não pintou toda a casa porque morava com os pais e sua mãe não comprou a ideia). Pintou seu quarto de azul. Leu em algum lugar que era uma cor benéfica para a mente, além de tranquilizar seus olhos. Comprou uns quadros pequenos que postos na parede lembravam a parede de um bar e colocou um jarro em cima do pequeno móvel que ficava vizinho a cama.
O trecho que fazíamos até o trabalho tinha a vantagem (e uso esse termo porque na selva de pedra em que moramos, paisagens verdes assim só é comum em parques) de ter inúmeras árvores, flores e jardins. Em algumas épocas do ano o chão mais parece um tapete de cores, são as flores caídas, brancas, rosas e violetas.
Então, Cristina decidiu que levaria sempre que pudesse algumas flores e colocaria no seu jarro. E assim vem fazendo.
Depois da organização do quarto, contou que, estava frequentando um clube de ioga perto de casa e conheceu um cara. Estavam saindo.
Havia doado todos os seus vestidos, odiava usá-los, mas como não se sentia atraente, usava-os na tentativa de melhorar suas conquistas amorosas, também havia lido que, era uma peça que chamava a atenção dos homens. Mas, o cara com quem estava saindo sempre comentava de como gostava das suas camisetas e calças, e esse era seu estilo, não iria mais usar algo que não gostasse somente para impressionar alguém, e nem precisou estar de vestido para conquistá-lo.
Cristina estava solteira há uns dois anos. Foi casada por quatro. Um belo dia resolveu deixar o marido porque não suportava vê-lo comendo. A hora das refeições era quase um ritual. Almoçava pontualmente todo dia, cortava os alimentos de uma maneira tão precisa que às vezes seu prato parecia uma vitrine de formas geométricas. Usava dois guardanapos, um ela colocava em baixo do prato, evitando que a comida caísse sobre a mesa, o que nunca acontecia, o outro deixava no colo e usava quando terminava a refeição. Mastigava a comida por longos minutos e jamais você a veria conversar enquanto comia.
Como trabalhava em um horário diferente do ex-marido, só comiam juntos aos fins de semana, o que para ela era um martírio. Um dia resolveu deixá-lo, pois não suportava mais ouvir o som dos alimentos sendo esmagados por seus dentes enquanto, rapidamente, devorava o prato. Ela considerava um bom motivo. E assim fez.
Ouvi sobre o seu recomeço por uma longa hora. Havia desfeito uma amizade abusiva, iria usar o cabelo natural e perdoou o pai… Ela contava que quando tinha 11 anos, ganhou um concurso de literatura na escola, e no dia da premiação seu pai não a levou. Haviam dado o prêmio para outra criança, e aquilo a feriu por muito tempo. O pai voltou a desapontá-la aos 14 anos, fazia balé clássico e sua turma havia sido convidada a se apresentar numa universidade renomada, seu pai chegou uma hora depois do combinado para buscá-la.
Contou seus feitos com tanta motivação, que talvez o resultado do seu “começar do zero” tenha quebrado inúmeras correntes que a aprisionavam há muito tempo.
Começar do zero era isso. Trocar de lugar algumas certezas, se aceitar, se permitir a algo novo, agir e encontrar oportunidades em meio ao caos, acreditando que, é possível vencer. Foi isso que ela fez. E esses eram os passos a serem seguidos quando há a necessidade de reiniciarmos.
Naquele dia Cristina não reclamou de nada.
Por MARLANA RIBEIRO