Estive passando por um período difícil. Algo sobre luto e aprender a lidar com a saudade. De meu pai, em específico. Segui os conselhos, fiz o que me disseram para fazer. Chorar, desenterrar as fotos, escrever, terapia, abraços e café quentinho. Numa sessão de terapia qualquer, trouxe para a minha psicóloga uma reflexão importante, divisora de águas. Fiquei feliz, por conseguir verbalizar com exatidão o que me angustiava, apesar de ainda sentir o peso do sentimento.
Eu disse a ela: — “sinto que estou me preparando, na terapia, para lidar com a ausência dele em momentos grandiosos. Processei a ideia de que ele não vai me levar ao altar no dia do meu casamento. Aceitei que ele não estará presente na minha formatura e lidei com que os meus futuros filhos não vão conhecê-lo. Mas a dor maior está, quase sempre, em coisas mínimas. Sinto falta do gosto da comida, do abraço e do cheiro. Sinto falta da voz e do som da risada. De escutar ele cantar “bom dia maria bonita” e do beijo molhado na bochecha. O peito arde por essas coisas — e de pouquinho em pouquinho elas nos quebram mais do que qualquer ausência em um casamento.”
Ao acabar de pronunciar isso, senti que minha alma estava de joelhos. A terapeuta foi compreensiva, acolheu a dor que, naquele momento, era maior que eu. Prossegui: “Por mais que eu saiba que, algum dia, vou escutar meus filhos perguntarem do avô, não dói tanto. O que dói é colocar um prato a mais na mesa e só me dar conta quando todos se sentam e ainda há uma cadeira vazia.”
Como de costume, contei sobre a minha semana. “Ontem foi meu primeiro Natal sem ele. No dia nem doeu, me senti até mais forte por isso. Mas a saudade é traiçoeira, te deixa viver, te deixa seguir para poder te pegar desprevenida mais tarde. Qualquer dia sentirá cheiro de pão de queijo e cair em lágrimas. E viverá tomando algumas rasteiras da vida. Acho que essa é coisa sobre a saudade, eu não acho que ela vá, algum dia, nos deixar em paz — essa é uma péssima notícia.”
Naquele momento, entrei num limbo reflexivo gigantesco, mas ela me resgatou. Sempre com palavras gentis: — “sobre o prato a mais na mesa… não há o que fazer sobre isso. Não há outra pessoa que possa sentar naquele lugar. Mas acho que o luto é isso: é um amor que não tem para onde ir. Então faz o seguinte, guarda com carinho. Separa um espaço para ele na prateleira de coisas especiais. Assim, poderá admirar como uma lembrança bonita.”
Foi reconfortante. É difícil, mas continuo aprendendo a viver num mundo onde as pessoas, as relações mais bonitas são também as mais breves. Até lá, vivo o que posso nas nossas lembranças. É um prato especial e devo guardar espaço na prateleira porque sei que outros virão. Assim como as rasteiras da vida.
Por ATHENA PAES LEME