Já era manhã do dia 25 quando ele chegou de volta à casa, depois de uma longa e cansativa noite de trabalho. O dia já estava claro e, ao longe, o sol forte iluminava a imensidão branca e fria. O corpo doía, o esforço fora grande. Ele sabia que já não era mais um mocinho e precisava se cuidar, mas o bem trazido pelo ofício era tamanho que ele desafiava a própria saúde, ano após ano.
Embora o sono pesasse seus olhos, ainda não era hora de dormir. Acomodou seus companheiros de jornada, os animais fiéis, nos aposentos deles. Não saiu de lá até se certificar de que todos estavam bem, que suportaram a pesada madrugada de labuta. Alimentou e deu de beber a um por um — era o mínimo que poderia fazer aos que o levaram para onde ele pediu durante horas, com a força do próprio corpo. Abaixado, conferiu os cascos, sarou pequenas feridas nos couros dos bichos — abertas por passagens em lugares de difícil acesso. Com certa dificuldade, levantou-se, afagou a cabeça de um deles e sorriu. Depois caminhou, a passos lentos, rumo ao seu lar.
Enquanto suas botas quebravam a fina camada de gelo no chão entre o estábulo e a casa, ele olhava o saco vazio em suas mãos e lembrava-se da noite, orgulhoso. A avaliação fora bem positiva, conseguira deixar algo de especial por onde passara.
Um menino ganhou um caminhão de madeira; uma menina recebeu a boneca falante. O rapaz foi surpreendido com um boné paquerado durante semanas na vitrine de uma loja; e uma senhora trocou a geladeira depois de algumas décadas. O pai de família ganhou um emprego; uma jovem estava muito feliz com a aprovação no vestibular; e dois irmãos conseguiram abrir uma empresa. Um andarilho matou a fome com um prato de sopa quente; e um casal brigado telefonou e se entendeu outra vez.
Em casa, deixou o gorro em uma cadeira de madeira perto da porta enquanto tirava as botas pretas. Levou o casaco e as calças vermelhas à lavanderia. Como nos outros anos, chegou a cogitar abandonar o posto, mas sabia que estaria melhor e veria que tudo valeu a pena quando levantasse. Pensou ainda em comer algo antes de se render ao cansaço, mas as energias do corpo só foram suficientes para ele chegar ao quarto. Só acordaria à noite.
Antes de se entregar ao sono, porém, o velho Noel verificou, sem muita esperança, as meias penduradas perto da janela. Vazias. Por mais um ano, ninguém se lembrara dele.
Mas dormiu feliz, mesmo assim. O que importava para ele era que os outros pudessem ter tido um feliz Natal. E o que cabia a ele estava feito.
Por ULISSES VASCONCELOS