NEM TE CONTO – Coluna: Nem Te Conto!

NEM TE CONTO – Coluna: Nem Te Conto!

 A mitologia sempre me fascinou, desde que eu era um adolescente. Gostava de ir à biblioteca e ler todos os livros disponíveis sobre o assunto. Passava horas e horas debruçado à mesa, tomando notas de divindades, heróis, histórias e curiosidades. Tudo aquilo, para além do aspecto mágico e fantástico, era para mim como encontrar um amigo querido para um café. São muitos nomes e histórias que povoam minhas memórias desde então e, por vezes, recorro a alguma divindade, semideus ou humano para seguir novamente com eles por trilhas fantásticas e cheias de lições valiosas sobre a vida e como se decide vivê-la! Tenho meus favoritos e prediletas? Com certeza! Mas por hora vou citar apenas um deles, para nos ajudar no percurso que faremos agora: Ulisses!

 E por que faço isso? Porque, como vimos anteriormente, uma das características dos contos é o número reduzido de personagens, logo, Ulisses é um bom exemplo para introduzirmos a discussão de hoje: Personagem é conflito. Conflito é ação. E ação é história! Ulisses, ou Odisseu, seu nome original grego (daí o nome “A Odisseia” para o famoso poema/livro épico de Homero), cria o estratagema do “Cavalo de Troia” e leva os gregos à vitória contra os troianos (narrada em outro poema/livro de Homero, “A Ilíada”) e, como herói, tenta retornar para Ítaca, seu lar, mas por uma série de questões (disputas, brigas entre divindades, a própria arrogância etc.) ele demora dez anos para regressar.

 Não importa por quantos infortúnios Ulisses passe, a história é sempre sobre ele e suas escolhas! Então, o que ele nos ensina é que sem personagem não há história, pois as escolhas geram conflitos e novas escolhas, num ciclo progressivo de tensão até o “final de impacto”, como já falamos antes.

 Para que um conto ou microconto possa condensar a narrativa em poucas páginas e maximizar o impacto do final, precisamos nos ater apenas aos personagens essenciais para a trama, evitando aqueles que possam dissolver a tensão ou levar a trama para outras direções. Gigantes, deuses, bruxas, naufrágios, traições são apenas elementos que estão lá para engrandecer Ulisses e não para roubar-lhe o protagonismo! Pense nisso!

 E para ajudar nessa reflexão, vamos falar de uma das personagens mais incríveis dos contos góticos: Carmilla, a vampira de Karnstein, de Sheridan Le Fanu. Este conto – também chamado de novela em algumas edições –, publicado pela primeira vez em 1872, influenciou Bram Stoker e seu Drácula, e chegou até os dias atuais, sendo inclusive transformada em personagem de videogame e série animada homônima para streaming: Castlevania. A história é narrada por Laura, uma jovem que vive isolada com o pai e alguns empregados num castelo na Estíria até que surge Camilla, uma hóspede inesperada.

 Laura descobre-se incrivelmente encantada e envolvida por Camilla, inclusive no sentido sexual (uma ousadia para a época). Mas começa a definhar sem explicações até que se revela que Camilla é uma vampira que lhe rouba o sangue à noite. Não irei além daqui para não estragar a experiência daqueles que ainda não leram. Se você é um desses ou dessas, vá agora mesmo resolver esta pendência!

 O que aprendemos aqui, parafraseando o método da mitologia para explicar o mundo? Que Carmilla nos fascina desde então pois a vemos pelos olhos de Laura, que a admira e a ama de forma profunda, mesmo diante da verdade.

 Carmilla é a protagonista. Tudo que acontece na trama é em decorrência das ações dela. Não haveria história no castelo de Karnstein se ela não estivesse lá! O pai, os criados, o médico e demais personagens apresentados (este é um conto do século XIX com umas setenta páginas) reagem às ações de Carmilla.

 Mas a trama é criada em torno dela e de Laura. É aí que está o desafio. Essas são as personagens desenvolvidas e aprofundadas na trama.

 Não há necessidade de oferecer aos leitores nada além do essencial sobre as demais personagens da história! Foque nos protagonistas, como nos microcontos a seguir.

Por JOSENILSON OLIVEIRA

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