ARTIGOS – Awele-wurè, o “trique-traque” africano por Alberto Arecchi

ARTIGOS – Awele-wurè, o “trique-traque” africano por Alberto Arecchi

Maam Cumba Lambaye (“a mãe dos gatos”) é o gênio tutelar de Rufisque (Teng Ghedj, na língua wolof), uma cidade mágica localizada na costa sul da península de Cabo Verde, no Senegal. No extremo oeste da África, Rufisque foi colonizada pelos portugueses em 1500, depois pelos franceses. No século XIX tornou-se a capital do comércio de amendoim durante uma temporada efêmera, depois declinou e foi abandonada pelos colonos, ofuscada pelo nascimento da metrópole de Dakar. A nova capital tem outro gênio tutelar, que se chama Leuk Daur. Altares feiticistas e bosques sagrados surgem até em arranha-céus, e há quem mantenha um baobá na varanda do quinto andar para oferendas propiciatórias.

A partir dessas praias, durante séculos, os ataques europeus levaram ondas de escravos para costas distantes. Daqui, até hoje, continuam navegando as pirogas dos pescadores para trazerem para casa o alimento diário. As lutas acontecem nas arenas, as longas tardes são passadas jogando “damas africanas” (wurè), enquanto os idosos conversam sob as coberturas das cases à palabres (lugares de encontro). Nas planícies a beira-mar, durante a estação das chuvas, geram-se vastas lagoas, com matagais de manguezais com raízes aéreas que parecem palafitas, ou barras de gaiola, mas que podem assumir a aparência de uma floresta assombrada.

O que chamamos, de forma um tanto inadequada, de “damas africanas”, lembra bastante o jogo de tabuleiro que hoje conhecemos como gamão. Onde o gamão se originou? A origem do jogo remonta a cerca de 4500 anos atrás, ao chamado Jogo Real de Ur, encontrado na tumba de um rei sumério durante escavações na antiga cidade mesopotâmica de Ur, precisamente (no atual Iraque). Dadas as suas origens muito antigas, é fácil compreender quantas lendas sobre a sua paternidade poderão ter surgido ao longo do tempo. Uma delas atribui a invenção ao rei da Pérsia Ardashir Babakan, da dinastia sassânida, outra a um antigo sábio indiano chamado Qaflan. Em italiano, o Gamão era conhecido como “távola real” ou trique traque.

Awele-wurè é um jogo que todos conhecem, nas diferentes regiões de África, mas que pode ser jogado com regras diferentes de um lugar para outro. A sua área original de difusão foi a longa costa da Guiné voltada para o Oceano Atlântico, entre o rio Senegal e atual Gana. O jogo foi espalhado pelos árabes ao longo das rotas das caravanas até a Índia. O leitor astuto já deve ter adivinhado que os escravos o trouxeram consigo para as Américas e que cada comunidade bem caracterizada continuou a jogá-lo de acordo com as regras da sua terra de origem. Hoje é um jogo difundido em toda a África, mas também na Índia, nas Ilhas da Sonda, no Caribe, na Guiana, no Brasil e na Luisiana.

Na língua Wolof (a língua nacional do Senegal) este jogo chama-se Wurè. Outros nomes, em outras línguas, são: Awele, Wari, Ayo (entre os iorubás da Nigéria) e em outros lugares é conhecido com cerca de duzentos outros nomes diferentes. É um jogo mágico-sacral: pensava-se que até os espíritos o jogassem à noite e, entre certas tribos, o novo rei era designado por um torneio noturno de Awele.

Um famoso bronze dos Achanti (povo que governava o território que hoje é Gana), reproduzido mil e mil vezes, é o que retrata a lenda do rei vencido ao jogo do Wurè por uma menina, que se tornaria sua esposa devido a esta vitória.

O jogo era reservado a reis, chefes e feiticeiros e à noite o tabuleiro era deixado ao ar livre para que os deuses, zumbis e espíritos dos mortos pudessem jogar nele. Os homens estão proibidos de jogar à noite.

Essencialmente, para jogar wurè você precisa: um tabuleiro de madeira com doze cúpulas esculpidas em duas fileiras de seis (uma fileira na frente de cada um dos dois jogadores) e quarenta e oito pedras. As variações também são infinitas: desde os tabuleiros “de viagem” com uma dobradiça ao centro, que permite fechar o jogo, com as pedras dentro, até às versões “luxo”, em que as pedras são bolinhas de gude perfeitamente esféricas, obtidas desde pedras semipreciosas (não esqueçamos que África é um continente rico em recursos minerais). Nas praias oceânicas, muitas vezes, as “casas” do jogo são simplesmente escavadas na areia e os peões podem ser sementes ou caroços de frutos.

É jogado com duas pessoas, no chão ou no tabuleiro apropriado, que pode ser de madeira ou até de materiais mais valiosos. O importante é ter doze buracos, seis na frente de cada jogador, e – em geral – quarenta e oito pedrinhas, ou sementes, ou outros tipos de peças. Outros dois buracos, de tamanho maior, quando existem, representam os “celeiros”, reservatórios das peças retiradas do adversário.

As peças são todas iguais. Mesmo quando são feitas com pedras de cores diferentes, a cor delas não importa em nada. É necessário movê-las, girando sempre no sentido anti-horário: cada um dos dois jogadores pega todas as peças de um buraco de sua escolha e semeia-as uma a uma, da esquerda para a direita nos buracos mais próximos e da direita para a esquerda naqueles colocados mais longe, na frente do adversário. Os jogadores estão proibidos de contar as peças em um buraco antes de moverem.

Explicamos as regras mais simples. Você começa com quatro peças em cada buraco e com os celeiros vazios.

O jogador que inicia (o mais velho) escolhe um buraco e “semeia” as peças, com a regra descrita acima. Depois é a vez do outro, em cada turno. Quando o último peão de uma sementeira cai num buraco do adversário que já contém dois ou três peões, o jogador pega estes, juntamente com o seu próprio peão, com o qual chegou ao buraco, para acumular no seu próprio celeiro. A partir daqui, ele também pode capturar as pedrinhas do buraco anterior, se este contiver 2 ou 3 peças, e assim sucessivamente até encontrar um buraco com um número diferente de peças contidas. É possível capturar damas, porém, apenas no campo do adversário (os seis buracos à sua frente). Quando você pegasse peças de semeadura de um buraco contendo mais de onze, você retornaria ao mesmo buraco inicial. Isso, neste caso, geralmente é ignorado (nenhum peão é colocado nele e continuamos com o próximo).

Quando um jogador não tem mais peças à sua frente no campo, ele não pode mais jogar.

São dados então três casos, de acordo com as regras aplicadas:

  1. a) O jogo termina, contam-se as peças retiradas (o outro jogador também soma as colocadas no seu campo) e ganha quem tiver mais.
  2. b) O outro jogador move de qualquer maneira e, se puder, alimenta os buracos do seu adversário. Se ele não conseguir, o jogo acaba de qualquer maneira.
  3. c) O outro jogador ainda pode fazer algumas jogadas antes de decidir encher os bolsos do jogador que não tem mais peças.

Um jogo de espíritos sagrados e reis que vale a pena experimentar.

No entanto, nos explicamos para que serve a tábua – dobrável ou não – com doze furos e quarenta e oito seixos, representada no bronze Achanti com o rei jogando Wurè.

Nos tempos antigos, o jogo Awele-Wurè também representou uma forma de resolver conflitos, sem derramamento de sangue. Uma tradição do antigo Zimbabué conta que os chefes Munyama e Malumbwe, depois de uma longa guerra entre os seus clãs, com confrontos sangrentos, decidiram resolver as suas diferenças com um jogo de Chisolo (como é chamado o nosso jogo, nessas terras da África Austral). Depois de cinco jogos, Malumbwe vencia por 4-1. Munyama aceitou sua derrota e a paz voltou às duas aldeias.

Por ALBERTO ARECCHI

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