AUTOPOIESE E NARRATIVAS – Carta por Flávia Joss

AUTOPOIESE E NARRATIVAS – Carta por Flávia Joss

Flávia Joss, natural de São Gonçalo/ RJ, é professora e escritora, autora dos livros Histórias & Memórias (crônicas), Desalinho Ensaios Poéticos (poemas) e Canções para desviver (poemas), Acalanto em Lá menor (contos). Desde 2009 desenvolve projetos de fomentação de arte e cultura. É integrante do Coletivo de Autoras Gonçalenses Escritoras Vivas.

 

As cartas abaixo foram escritas para o projeto “Correspondências de Domingo”, idealizado pela escritora “Mell Renault” e abraçado por seis escritores, dentre eles, eu, Flávia Joss.  A proposta é que cada escritor participante, escolha uma personalidade que tenha, de alguma forma, marcado sua vida e escreva para ela durante o mês. O projeto teve início no mês de fevereiro.

 

Fevereiro, 2024

Carta I

Querida Adélia,

Vejo em seu rosto lembranças da minha avó materna, também mineira, talvez seja por isso que te escrevo como quem toma café com pão de queijo, numa tarde fresca, enquanto folheia um livro de poemas.

A poesia nos salvou, Adélia! E não falo constrangida, antes, proclamo aos quatro ventos, porque não temo os doutores nem a excomunhão, muito menos o escândalo dos fracos. Aprendi com você que a poesia é a face de Deus atingida pela brutalidade das coisas. Esse verso reverbera em mim todos os dias.

Cada vez que te leio, cada vez que escrevo, permaneço em estado de prece. Fico mais perto de Deus.

Flávia Joss

 

Março, 2024

Carta II

Drummond,

Meu poeta de sete faces e de ferro, tenho encontrado a poesia inexplicável da vida, apesar de todas as pedras que teimam em aparecer no caminho. Sigo nessa luta vã com as palavras e comigo mesma. Não rimo sono com outono nem mundo com Raimundo. Tenho as minhas idiossincrasias. Desisti de tentar explicar as cifras e os códigos sob a pele das palavras.

Tenho 49 anos e nenhum problema resolvido, mas ainda assim guardo em mim um pouco da rosa, um pouco de luz e um pouco de pó.

Como você, vivo entre os homens partidos e o meio silêncio. Entretanto, prossigo acreditando, porque é vasto meu coração.

Flávia Joss

 

Julho, 2024

Carta III

Ana,

Também me assalta, vez por outra, se a boa ideia para escrever um poema seja, de fato, minha, já que as palavras trocam de pele e deixam rastros.

Hoje desfiz as bordas de um poema e uni as fronteiras manchadas de café, mel e cinzas de cigarro. Tem dias que cartografo limites em cores forte e frescas. Assim, testo o recuo e a proximidade da distância.

O fundo escuro do poema é cheio de ruídos e segredos.

Te encontro.

Flávia Joss

Por STELLA GASPAR

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