CALDEIRÃO CULTURAL – A baderna que acabou em pizza

CALDEIRÃO CULTURAL – A baderna que acabou em pizza

Nessa edição Juh Hunzicker traz curiosidades e histórias sobre a origem de algumas expressões usadas no dia a dia. Venha conferir e envolva-se!

 

 

Você chega em casa cansado do trabalho depois de um dia exaustivo, abre uma cerveja, liga a tv baixinho se senta no sofá e respira o silêncio. Mas percebe algo estranho, um barulho que vai aumentando dentro de você. Uma festa no vizinho. Em plena terça. Passando da hora permitida por lei, você liga para polícia, que demora, mas vem.

Tenta entrar em um acordo com o aniversariante, pois seu sono precisa estar em dia para encarar os desafios do dia seguinte. Ele concorda, a polícia vai embora. O som é abaixado, mas os murmurinhos, gritos de truco e risadas continuam. Você tenta dormir, mas não consegue. Enfim, a baderna acabou em pizza.

Existem várias expressões que foram ao longo dos anos incorporadas na língua portuguesa, e os significados são no mínimo curiosos. Baderna significa desordem, bagunça. Mas sua origem é bem mais potente que isso.

Marietta Baderna nasceu em 1828, na província de Placência, na Itália, e desde muito nova era uma eximia dançarina, participou do corpo de baile de Milão e se apresentou na Inglaterra.

 

 

 

 

 

 

 

 

Ela e o pai, defendiam os republicanos comandados por Giuseppe Mazzini que foi derrotado pelos monarquistas após a revolução de 1848, ela chegou a contribuir financeiramente para as conspirações patriotas. E por esses problemas políticos, os dois foram embora do país.

Então se exilaram no Brasil em 1849, ela com 21 anos, já no Rio de Janeiro fez amigos e aceitou um convite para se apresentar com a companhia no Teatro São Pedro de Alcantara. Suas danças foram incorporando algumas referências afro e apesar de serem consideradas afrontosas por uma sociedade escravista, Baderna tinha fãs fervorosos que mais tarde foram chamados de badernistas. A palavra baderna na época significava beleza e mais tarde confusão e barulho.

 

 

 

 

 

 

Se apresentou ao ar livre com escravos, e suas atitudes incomodavam alguns membros da sociedade escravista da época, mas era defendidas por outros, como o escritor José de Alencar.

Suas apresentações começaram então a sofrer boicotes, seus números já não eram os principais e Marietta ficava esquecida no fundo do palco. Isso incomodou os badernistas, fãs que não a abandoavam, iam assistir aos espetáculos para protestarem contra os boicotes e a cada apresentação batiam o pé no chão do teatro fazendo muito barulho. Então o sobrenome de Marietta, baderna, virou sinônimo de confusão. E até hoje é usado em nossa língua.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thiago augusto Corrêa, @thaugustocorrea 37 anos, de Bauru SP formado em Letras, fala um pouco sobre o assunto: ‘’Expressões idiomática são traços da cultura de uma região ou de um país. Dessa forma, é ótimo pois demonstra como a língua falada é dinâmica e sempre vive em constante atualização, ganhando novos sentidos e recriações por seus falantes.’’ Ele ainda fala da importância de expressões como essa: ‘’Em geral, o uso de expressões idiomáticas são um refinamento da língua. Requerem uma compressão do sentido figurado das palavras, do uso de expressões de grupos ou regiões, o que não só gera força no enunciado da frase como também traz representação do falante, pois muitas vezes carrega parte de sua cultura e identidade.’’

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E continua: ‘’Como muitas dessas expressões surgem de elementos contextuais e de situações vindas da oralidade, observamos também como a língua é rica e repleta de ramificações. Grupos distintos se manifestam e, assim, geram novas expressões. Quem se apega somente a norma culta esquece muitas vezes dessa pluralidade, pois a norma culta é uma forma máxima, o padrão normativo apenas.’’ Para o professor formado em História, Lucas Webster, @lucaas.webster 24 anos, de Bauru SP, expressões como essa enriquecem nossa cultura, e ainda afirma: ‘’Trazem sentidos para essas expressões, que acabam tendo uma forma única de reproduzir seu jeito de falar. Formando assim, um enriquecimento de expressões, e mudanças nos dialetos.’’

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ele ainda completa: ‘’acredito que as expressões, são formas de manter a língua viva, seja trazendo novos sentidos, ou expressando uma indignação sobre um determinado assunto. Então, vai enriquecer ainda mais nossa cultura, além de ajudar a sociedade a se expressar de uma forma lúdica e clara, onde todos se conectam.’’

Aquela festa do vizinho acabou em pizza, mas era churrasco o prato principal, essa expressão tão popular vive no dia a dia do brasileiro e cabe-se em quase tudo que não dá certo. Mas a origem não deixa de ser curiosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

Em 1965, o clube paulista Sociedade Esportiva Palmeiras enfrentava uma oposição implacável e uma reunião foi marcada com a diretoria para resolver esse impasse. O jornalista da gazeta esportiva, Milton Peruzzi, foi cobrir essa reunião, ele queria ter a manchete do dia seguinte, mas a tal reunião se estendeu por um tempo além do esperado. 

 

 

 

 

 

 

 

 

Após 14 horas, bem perto de rodar o jornal, Peruzzi liga para seu editor e diz que os conselheiros saíram abraçados da reunião, chegaram a um acordo e foram comer pizza. Sim, a reunião acabou em pizza. Então o jornalista conseguiu sua manchete para o dia seguinte: ‘’Reunião do Palmeiras acaba em pizza””. E a expressão foi incorporada no nosso dia a dia.

Ela ganha força com as CPIs do governo nos anos 90, e está, hoje, diretamente relacionada à política e a algum assunto sério que não há solução.

 

 

 

 

 

 

 

Thiago ainda salienta: ‘’nenhuma cultura ou expressão tem um juízo de valor melhor ou maior do que a outra. Sei que a afirmação pode parecer óbvia, mas ainda vivemos em um país em que grupos as vezes se manifestam a favor desta ou daquela cultura como maior ou menor.  O conjunto de expressões idiomáticas do Brasil, norte, sul, leste, oeste, nos determinam como país, aproximando regiões ou afastando-as, formatando diferentes culturas, compondo identidades, reconhecendo seres sociais que usam tais palavras como forma de comunicação. Toda expressão linguística é válida.’’

E sobre a infinidade de expressões comuns em nossa cultura ele tem uma preferida: ‘’gosto muito da expressão “passar pano”. Tem sido bem usada recentemente e tem um dinamismo ótimo. A ação da limpeza, de limpar algo, nos dá a visão de apagar ou ignorar os erros de algo ou alguém.’’

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Já Lucas Webster tem uma memória afetiva com uma expressão em particular: ’’gosto de uma que minha avó fala quando uma pessoa come mais que o necessário, “Também, não como pra viver!!”. Sendo bem contrário ao sentido de se alimentar. Sabendo que a prática de se alimentar é pela sobrevivência, mas se comer mais que deveria, não está comendo pra viver.’’

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A verdade é que a cultura brasileira na sua diversidade e imensidão de regiões, cidades e lugares distantes, é rica em expressões populares, que dão significado e muitas vezes credibilidade a uma frase ou um contexto…

Você acorda atrasado, nem toma café, sai apressado para o trabalho e ainda sente o cheiro de churrasco no vizinho. Independente da baderna ter acabado em pizza, a vida segue, e as vezes o melhor a se fazer é tirar o pé do acelerador e ir para o trabalho só para cozinhar o galo.

 

Por JUH HUNZICKER

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