‘’Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca’’. Essa frase é atribuída ao escritor e poeta argentino Jorge Luis Borges 1899-1986.
E é exatamente essa sensação que se tem ao entrar em uma biblioteca, de que respirar cultura torna as pessoas melhores e a espécie de paz que esse ‘’paraíso’’ traz não tem preço. E levando em consideração à mudança radical de hábitos de leitura pós pandemia devido ao alto nos preços dos livros, as alternativas para uma boa leitura ganham força. As vendas de e-books aumentaram e troca de livros em PDFs por aplicativo de mensagem também.
Em São Gonçalo no Rio de Janeiro existe uma biblioteca comunitária chamada Jornateca Luis Gama @jornateca. Bruno Policarpo, 40 anos, servidor público federal, formado em gestão de produção industrial é idealizador desse projeto. Ele fala sobre a necessidade de ajudar e dar um novo formato à biblioteca: ‘’ A ideia surgiu na pandemia, percebi que muitas pessoas não estavam tendo acesso à leitura, às crianças por falta de aula, jovens e adultos por questões econômicas. Daí quis tentar ajudar de alguma forma, foi depois de ter várias ideias, percebi que já tinha bastante livros e deveria partilha-los com a comunidade, só não sabia onde e como.
Passeando de bicicleta pelo bairro percebi que as bancas de jornal não vendiam livros. Aí veio a ideia de colocar os livros na banca. Adquiri o espaço e comecei a trabalhar toda a elaboração do projeto e no dia 27 de agosto de 2021, despois do fim das restrições por causa da Covid iniciamos o nosso projeto. Nosso diferencial é ter um acervo plural e democrático, dos clássicos aos romances de sucesso atuais.’’
Ele enfatiza como é a dinâmica com os leitores: ‘’com o projeto, buscamos encurtar a distância entre o leitor e o livro. Através de um aplicativo que auxilia na organização e disposição do nosso acervo. Realizamos um cadastro básico com número de whatsapp e endereço, tudo bem rapidinho sem burocracia.’’
Assim os leitores ficam por dentro dos títulos, fazem reservas, tudo com fácil acesso.
Bruno ainda fala sobre o impacto na vida das pessoas da comunidade e como pretende fazer um estudo sobre isso: ‘’é sempre bom poder de alguma forma, ver pessoas de todas as idades frequentando o mesmo espaço é um suspiro de esperança. Apesar de todas as dificuldades em nosso primeiro ano conseguimos emprestar 378 livros, e não funcionamos durante o dia, só as quartas-feiras às 18:30 e sábado a partir das 9:00. Agora com um ano, vamos elaborar estudo de impacto que o projeto causou na comunidade deverá ser realizado anualmente. Muitas pessoas que nos procuram, não tem condições de comprar um livro.’’
Romance ainda é o gênero mais procurado segundo Bruno e vários estudantes frequentam o espaço para reuniões de leituras. Uma dessas leitoras é a Esmeralda, 14 anos moradora de São Gonçalo. A estudante conta que a mãe descobriu o lugar e a levou para conhecer. E disse que o seu maior incentivo é a quantidade de livros, e os mundos que ela pode visitar com eles.
Para ela a comunidade precisa de cultura e a Jornateca trouxe isso para eles. Ela ainda ressalva a alegria dos encontros aos sábados: “para quem gosta de ler, esse é um lugar com livros pra todos os gostos, e não é só o livro, são as conversas com o Bruno que deixam o lugar interessante e divertido.’’
Bruno ainda fala que: ‘’É sempre engraçado a surpresa das pessoas que perguntam “quanto custa “, achando que é para vender e descobre que todo o nosso acervo é disponibilizado gratuitamente, é reconfortante saber que podemos proporcionar a essas pessoas uma experiência literária que de repente naquele momento não teriam condições por falta de dinheiro.
Apesar de sua iniciativa Bruno sente que em sua cidade ainda falta de incentivo público desse tipo: ‘’nosso município apesar de ter mais de um milhão de habitantes não dispõe de atrativos culturais. A Jornateca veio como um alento em nosso bairro onde não tem ferramentas culturais gratuitas. É muito triste o descaso com a cultura não só em nosso município mais em todo país.’’ Ele ainda declara que: ‘’ A implantação do projeto “Jornateca Luís Gama” é de extrema importância para a comunidade, pois contribui na democratização do acesso ao livro, possibilitando a diminuição do abismo cultural que existe em nosso pais. Trazendo um alento de esperança em um futuro mais igualitário.
Esmeralda ainda frisa: ‘’ir lá é um jeito de fugir da rotina, eu amo ler então esse lugar é o paraíso pra mim.’’
Outro lugar que é um verdadeiro garimpo de joias raras é o sebo.
O nome tem várias origens dentre elas as vendas de papiros no século XVI, feitas por mascates alfarrabistas, que quer dizer livro velho, outra ideia da origem do nome é de que tanto as pessoas lerem os livros suas páginas ficavam cheia de gorduras produzidas pelas mãos. Embora não tenha uma fórmula oficial para o nome, visitar um sebo sempre é uma aventura, um lugar para te tirar da rotina, um garimpo real, onde quanto mais tempo você tem livre, maior a chance de achar algo raro e bacana.
Dono do sebo, Os pensadores @seboospensadores Jonathan, 29, trabalha com livros há 2 anos. Seu sebo fica localizado na cidade de Araçatuba em são Paulo.
Ele conta como a ideia do sebo começou: ‘’iniciei com 16 livros apenas, era mais um desapego por falta de espaço, e hoje isso ainda não mudou. A pandemia foi essencial para a grande procura e fez com que as pessoas se distraíssem longe da mídia social e atualmente o sebo é escape para sociedade moderna, leva conhecimento e melhora a leitura e o diálogo. Aliás, a melhor parte é que se constrói uma imaginação saudável, na qual não pode ser interrompida por tecnologias.’’
Jonatan ainda vê uma melhora no consumo de livros usados: ‘’vejo jovens de escolas públicas e privadas vindo ao Sebo. Isso é motivador. Além deste fato, os pais também vêm muito ao Sebo à procura de algo que motive a leitura dos filhos. Estamos com projetos muitos legais para o sebo. A recepção de asilos da Cidade, onde iremos fazer um dia especial para eles. Alguns projetos com escolas. Um outro muito bom é o café filosófico, no qual escritores e figuras da cidade/região, poderão apresentar seus trabalhos ou sua profissão, sejam médicos ou pensadores.’’
A ideia de comprar um bom livro por um precinho motiva a ida aos sebos, que também vendem CDs, disco de vinil, fitas cassetes, enfim, objetos que além de cultura trazem recordações e lembranças de bons tempos onde a internet não reinava. Coleções, romances, livros escolares e muita relíquia, o acesso à leitura boa e barata atrai leitores famintos por livros e nesse quesito os sebos saem na frente.
Jonatan finaliza: ‘’os livros são essenciais para o hoje e o amanhã, nosso refúgio psíquico, nosso alimento da alma. Uma vida sem leitura, é uma vida vazia.’’
Raul Sousa, 29 anos, economista, morador de Fortaleza, Ceará @clubedemisterios, conta que frequenta sebos desde 2017, e ainda enfatiza: ‘’É mais fácil de achar autores que não são mais publicados. Preços mais baixos podem ajudar a estimular a compra de livros. A acessibilidade que sebos possuem, ajudam a fazer com que mais pessoas conheçam gêneros diversos. Sebo é um ambiente de garimpo. É importante ir lá com uma pequena lista de livros e com um tempo livre para realizar o trabalho de procura com paciência.’’
Já a leitora Suele 31 anos Auxiliar de Manufatura de Araçatuba SP, frequenta sebos há um ano e meio, diz que a pandemia a ajudou a ter mais tempo para os livros e também declara a importância de um livro usado: ‘’Além de podermos passar pra frente livros que não curtimos muito, temos a chance de sempre ter um livro novo ou diferente na nossa estante. Para mim se não fosse os sebos talvez eu não teria livros, porque os novos são bem mais caros, e no sebo com o valor que pagaria num livro novo consigo comprar 2,3 ou até mesmo mais livros, e isso no momento é muito importante’’. Ela ainda brinca: ‘’ Olha eu tenho uma frase que sempre digo: “Sebo é vida’’, desde que descobri a pouco tempo tenho me tornado adepta a eles e me apaixono cada vez mais pela leitura e quero comprar mais e mais livros, vocês sabem, a lista de livros nunca tem fim. Bom para quem não conhece recomendo que faça uma visita a um sebo, vocês verão a infinidade de opções.’’
Independentemente de como, ter acesso fácil à livros deveria ser um direito de todos e mais iniciativas como a de Bruno seriam uma ponte importante para esse acesso. Principalmente em comunidades carentes.
Muitas bibliotecas públicas e em escolas formam opinião e levam os estudantes a lugares onde os pés não alcançam, isso é fundamental até para a escolha de uma futura profissão. E essa talvez seja a única opção de muitos deles que, em sua maioria, não tem condições de adquirir um bom livro, e por outro lado o sebo tem papel decisivo nesse quesito. Além de você poder vender ou trocar seu livro, você relaxa, procura e vê o quanto a literatura é rica e quantos livros legais ainda esperam por um dono. E as reuniões com os estudantes na Jornateca ainda acontece todo sábado. A cada livro diferente, uma nova viagem.
Por JUH HUNZICKER