Escrever é fácil, prazeroso e transforma a vida de quem lê. Porém ser um escritor independente no Brasil está longe de ser fácil. Vemos pouco apoio público e privado, grandes editoras que não abrem espaços e na maioria das vezes o auto investimento acaba por desanimar quem quer ter suas obras mostradas a todos. Isso acontece no mundo da música também. Trazemos nessa matéria um pouco dessa experiência. Dos percalços, alegria e esperanças. Uma discussão necessária, em que artistas e apoiadores mostram suas opiniões e desejos.
Denis Nishimura, @nippong, 52 anos, formado em Letras, escritor independente, é brasileiro e reside no Japão, a verdadeira experiência de uma publicação feita por uma editora foi só em 2021. ‘’O suporte em todas as etapas foi tão bom que aquela experiência de publicar me encorajou a fazer mais três trabalhos’’, conta Nishimura. Sobre ser um escritor brasileiro no Japão ele ainda enfatiza, ‘’acho, que ser escritor é um desafio para todos nós, independentemente do lugar onde vivemos. Amo este país que se tornou a minha segunda pátria, mas o grande desafio é vencer o cansaço e produzir material literário numa vida dividida entre trabalho, família e afazeres domésticos. Em geral, me obrigo a me debruçar sobre a escrita uma horinha por dia.’’
Em Rio claro SP, a escritora e terapeuta holística Eliana Bauman, @eliana_bauman, 66 anos, também formada em letras e como Nishimura, escritora independente, ‘’não é fácil, escrevo por prazer e espero de coração contribuir um pouquinho no crescimento moral, intelectual e espiritual de quem puder atingir. Eu escrevo apenas há 3 anos, porém tenho esperança de escolas, um dia, poderem adquirir meus livros. São livros que trazem boas e emocionantes mensagens, por isso, aposto neles.
Bauman e Nishimura se conectaram na pandemia através das redes sociais, já escreveram 2 livros juntos e estão preparando o terceiro. Sobre apoio e auto investimento eles tem pensamentos parecidos.
Nishimura observa que: ‘’assim como no Brasil, existem alguns incentivos à arte e à cultura aqui no Japão, mas elas estão restritas a poucos, seja por ignorarmos os procedimentos, seja porque a burocracia é muito grande. No meu caso, também existe a barreira do idioma, além é claro de não ter tempo para ir atrás de ajuda financeira para os meus projetos.’’
Já Bauman explica: ‘’ Apanhei no início, existe editoras que prometem vender seus livros dentro e fora do Brasil, e por conta disso te cobram um valor muito grande. Hoje, sei que não é por aí, o escritor deve trabalhar muito para que suas obras sejam conhecidas e valorizadas.’’
Nishimura ressalva: ‘’ Se por um lado não há muito apoio da editora, só frisando que não tenho o que reclamar da minha, por outro, não há restrições para a comercialização e divulgação da obra. Dá para fazer sorteio, divulgar exaustivamente nas redes e você é o dono de todas as decisões.’’
O interessante das editoras independentes é exatamente isso, liberdade. Você consegue trabalhar bem a revisão a capa e os detalhes do livro. A atenção dada é importante para esse processo. Mas a comercialização e divulgação é por conta do escritor. Essa parte é complicada, não são todos os amigos que consomem suas obras, e você tem que buscar alternativas, expandir sua divulgação, fazer sorteios, estimular as pessoas a terem curiosidade sobre os livros. E uma realidade que bate de frente com o autoral independente é o preconceito em relação a autores desconhecidos. A grande maioria dos leitores preferem comprar uma obra famosa, seja pelo status ou por influência da mídia., Bauman concorda: ‘’leio obras lindíssimas, que considero, muito das vezes, melhores que livros famosos, mas infelizmente não chegam a ser conhecidas.
Denis ainda complementa: ‘’existem 2 preconceitos básicos sobre livros: 1) Leitores dão preferência para autores estrangeiros a menos que o autor nacional esteja no hipe; 2) Autores nacionais são ruins. Essa pode doer, mas que atire a primeira pedra quem nunca pensou assim. Me vejo na obrigação de quebrar esse paradigma. Tenho me deparado com um grande número de autores nacionais fantásticos e que me surpreenderam com suas obras.
E para quem pretende ingressar nesse mundo fantástico da escrita independente, Bauman dá algumas dicas: ‘’O caminho para escrever é querer compartilhar algo que saltou do seu coração, você sentiu que foi muito bom e vai querer que outros sintam o mesmo que você. Se isso está te acontecendo, meta a cara, vá em frente. O universo precisa de emoções; de pessoas que possam contribuir para deixar os corações mais suaves e as mentes mais positivas e atentas aos detalhes perfeitos e maravilhosos que está em tudo e em todos.’’ E para Nishimura, ’’ dizem que o entusiasmo é o combustível que move os sonhos e os transforma em realidade. A coisa mais importante é amar, ter paixão pelo que se faz. Mas os sonhos são como água quente que se não houver uma chama, ela esfria. Manter-se em movimento, em atividade e acreditar no seu projeto. Se você não acreditar, ninguém o fará por você!’’
Um lado importantíssimo dessa jornada independente são os espaços para divulgar as obras e os escritores, um belo exemplo é o site @bauruliteratura comandado pelo Thiago Augusto Corrêa, @thaugustocorrea, 37 anos, editor, formado em Letras, pós graduado em Gestão Cultural. Corrêa conta como o site começou e seu objetivo: ‘’de certa forma, o BauruLiteratura é uma consequência de um projeto anterior, do qual editei o poeta Luiz Vitor Martinello. Como tive contato com muitos outros autores na ocasião, percebi que faltava um espaço mais centralizador da literatura local, pois mesmo entre si muitos autores não conheciam a obra literária do outro. Então, o site surgiu com a intenção de suprir parcialmente essa necessidade, oferecendo um espaço gratuito para publicação dos autores da região.
’’ Ele ainda continua: ‘’ O site está no ar desde fevereiro de 2021, bem novo. É muito bom conhecer novos escritores e, muitas vezes, há surpresas felizes. Os autores sempre são muito receptivos ao site e observo que, em geral, as primeiras experiências sempre vêm cheias de expectativa. Muitos deles ainda estão formando seu público-leitor, portanto não sabem qual será a reação dos leitores para esse ou aquele texto. E eles sempre são ansiosos para serem lidos, então, sempre aconselho calma, que os textos vão encontrando seu público.’’
Esse espaço, além de divulgar os trabalhos acabam engajando as redes sociais e o networking vira uma ferramenta necessária para a interação entre o público e os escritores. Funciona também para o site que quando divulgado pelos escritores, acaba atraindo mais participantes e obras interessantes.
Em relação a investimento Corrêa ainda destaca: ‘’o BauruLiteratura contou inicialmente com o apoio da Lei Aldir Blanc para sua produção. Por isso, houve um aporte inicial de investimento que garantiu a boa execução do projeto. Mesmo sem um retorno financeiro, pude trabalhar com uma verba inicial. Porém, todo projeto precisa de manutenção para se manter, então, em algum momento, o aspecto financeiro entra na equação também. Até o momento, os gastos são aceitáveis, mas destaco que qualquer produtor cultural sempre deve pensar nesse aspecto para a saúde do seu projeto.’’
Sobre apoio Corrêa explica: ‘’A cultura em geral no país, e mais especificamente a leitura, ainda não é vista como uma necessidade básica. Então, precisamos de ações de políticas públicas que tanto levem as diversas culturas a todo país como ensinem a população de que, tais como outras necessidades básicas, a cultura é vital. Mas a realidade que sabemos e vivemos diariamente são de baixas verbas destinadas a cultura e muita mentira contada sobre como essas verbas ou ações são feitas.
As ações privadas, também são bem vindas, mas em geral é importante temos em mente que sempre há uma empresa investindo e, normalmente, sua intenção é ter algum benefício por trás do investimento, seja em publicidade positiva, uma parceria que lhe terá visibilidade, então é um processo mais delicado.’’
E ainda enfatiza sobre esse apoio ser mais difundido ‘’ principalmente, políticas públicas que compreendam a cultura como necessidade básica. Em minha visão, o governo deveria ser um exemplo fundamental da necessidade da cultura no país. E, do outro lado, precisamos compreender que ter uma editora ou trabalhar com cultura no país, por exemplo, é um negócio como qualquer um. Dessa forma, se um governo também desenvolve sistemas mais simples para empresários e microempresas, o mercado livreiro e os artistas também podem se beneficiar.’’
Corrêa ainda dá dicas para escritores e editores que estão começando nesse universo complexo. ‘’ Minha dica é em duas frontes, vale tanto para escritores como editores e profissionais da área. Se você é um escritor, sempre leia e continue escrevendo, esqueça a ideia de inspiração, escrever é cansativo e trabalhoso, quanto mais se escreve, melhor se escreve, então, escreva. Se é um editor, pesquise, análise outros editores e empresas. Se for um editor da escrita, leia outros editores, se for um editor voltado ao mercado, estude papéis e outros sistemas de produção. E finaliza: ‘’ O mundo autoral já tem mudado recentemente com a queda de grandes lojas, a ampliação dos livros digitais via Amazon e outras mudanças editoriais. O enfoque hoje é um autor presente que também vende seu produto e está consciente com o que acontece com o universo dos livros que ele escolheu. Portanto, é fundamental esse autoconhecimento.’’
Um lado importante desse universo independente é o nicho musical autoral. Um exemplo é a @rivergooficial, uma banda de rock de Bauru SP, com 3 anos de existência e com músicos com mais de 10 anos de experiência, a banda está construindo sua identidade e batalhando para levar seu som ao público. @felipeluz @lucasjung @alanaugusto e @jeffreis tiveram uma forte influência de country rock e blues rock, conectaram-se ao longo da vida trabalhando com música. Quando decidiram criar o conceito da banda através de experiências musicais, pensaram na água fluindo num rio, daí o nome da banda, são como as possibilidades da vida, que passam e se renovam. Para Felipe Luz, 28 anos, vocalista e front man da banda, não é nada fácil a fidelização do público em um modo geral, principalmente quem consome banda famosas, mas, segundo ele, a banda ignora o desejo desse público e tenta mostrar uma nova ideia independente, que apesar dos obstáculos vem dando certo. ‘’ A banda ainda é um bebê, tem apenas 3 anos, então essa busca de fidelização ainda continua e sempre vai continuar’’, enfatiza Luz. Na pandemia a banda se afastou do palco, mas não do público, procurou manter viva essa conexão através de lives e das redes sociais. Também trabalharam em um novo projeto. E o networking com outras bandas, autorais, ainda dentro da pandemia, foi fundamental para se fortalecerem. E Luz enaltece ‘’ extremamente necessário’’ esse contato e troca de experiências.
Sobre apoio público e privado, Segundo Luz, ‘’Ambos são fracos. O privado busca dinheiro, sem incentivo à cultura independente não há pessoas pra consumir, sem pessoas não há dinheiro. O apoio público é um pouco maior, mas não tão fácil. Existem editais que ajudam, mas nós vemos que principalmente prefeituras, gastam milhares de reais por eventos com artistas renomados. É importante trazer esses nomes fortes pra população, mas não existe um olhar mais próximo pra cultura independente, autoral e regional. É necessário, muita insistência e luta pra conseguir ser notado por aqueles que tem a possibilidade de fazer algo pela cultura.’’
A banda já ganhou 2 concursos regionais. O QFestival em Araçatuba SP, e o Rock Blus Brasil em Sertãozinho SP, ambos organizados por empresas privadas. O primeiro teve o apoio da prefeitura e de algumas mídias de comunicação. Dentre os prêmios eles ganharam instrumentos novos, oferecidos pela empresa organizadora, e um show exclusivo em um bar parceiro na cidade. Esse tipo de apoio de bares e casas noturnas também é um agregado potente das bandas, que vêm em espaços assim, uma forma de levar sua música ao público. Já no 2º, além de tatuagem e instrumentos, foram premiados com duas gravações no estúdio de um dos apoiadores. Esse tipo de concurso, além de incentivo é uma forma das bandas se encontrarem, e do público conhecer novas propostas de música, além claro do engajamento e fortalecimento das redes. ‘’Vencer os concursos foi muito importante pra dar um respaldo e oxigênio pro trabalho que fazemos’’, explica Luz. ‘’E a nossa vitória, pode gerar benefícios e abertura de espaços e visibilidade para outras bandas’’.
Luz contou que a maioria dos prêmios foi revertida em dinheiro, através de venda e rifas, para financiar o projeto do novo CD, sem data ainda para lançamento, mas que algumas músicas já foram disponibilizadas nas plataformas digitais. O auto investimento é um dos perrengues que os músicos passam, pois gastam muito com estúdio, gravação, divulgação, vídeo, fotógrafo e marketing nas mídias sociais. Na maioria das vezes tiram dinheiro de outros trabalhos, ou usam o cachê de show para fazer um caixa e bancar esses custos, que geralmente são altos.
Ainda em relação ao mercado atual, Luz ressalva, ‘’ O mercado tem a possibilidade de ser muito rico. Os produtos de qualidade estão ali, basta uma organização de quem faz parte desse mercado para que isso que propague. Tem muita gente talentosa pra aparecer. Precisamos abrir os espaços. ‘’Nem todos esses talentos conseguem sobreviver e se manter ativos com recurso financeiro próprio. O olhar do poder público e empresários, são necessários, para concursos como esses que a @rivergo ganhou, por exemplo, continuarem existindo. E levando cada vez mais música e arte de qualidade para o público.
Uma dica que a banda dá como incentivo para quem está começando é que ‘’ além do clichê de “Ame o que você faz”, “Acredite em si mesmo”, “Paciência e persistência”, nós devemos olhar a engrenagem do nosso trabalho. Buscarmos melhorar a cada dia nossas estratégias, nossas partes técnicas, nosso marketing, planejamento financeiro. Parece papo de coach, mas pra manter vivo um trabalho desse, é necessário que sejamos profissionais com o que oferecemos as pessoas. Isso não é ser algo diferente do que você é, isso é preparar o terreno pra ser quem você quer ser.
Um lado interessante nesse processo de divulgação e apoio são as rádios. Cléber Maçaneiro, 50 anos, locutor e produtor musical, de SC, trabalha em rádio desde 1989. Atualmente no comando da web rádio, @antena.rock, ele diz que sempre gostou de apoiar bandas autorais.
Sobre a aceitação do público ele ressalta: ‘’É mais difícil o público de rádio aceitar o autoral independente, mas se tiver qualidade eles aceitam e até opinam. Tem muita gente que procura ouvir web rádios rock apenas pra saber o que rola no underground do rock. Sempre tem e sempre terá público para isso.’’ Na rádio de Cleber toca entre outras bandas, a @rivergooficial, e ele também se tornou o produtor musical do novo CD da banda. Essa proximidade com as bandas vem de longe e segundo Maçaneiro, já lhe trouxe muitas alegrias. Ele conta: ‘’Lembro de uma banda que produzi, há muitos anos e essa mesma participou de um festival onde eu era o apresentador. Um integrante falou algo tipo “Obrigado por ter produzido nossa banda! Sabemos que não temos condições de vencer um festival com bandas tão boas, mas só de estar aqui já nos consideramos vencedores…” Eles não sabiam, mas em minhas mãos já estava o resultado do festival e ficaram muito surpresos quando anunciei que eles haviam vencido! Foi muito emocionante ver uma turma tão humilde e simples, ganhando de grandes bandas da época.’’
Esse tipo de ‘’gás’’, é essencial para parcerias como essa perdurarem. As bandas, além de ter um espaço de divulgação criam laços profissionais que ajudam na construção de sua identidade e lógico, dão um UP na carreira.
E em relação ao futuro do universo autoral independente. Maçaneiro destaca: ‘’ O Mercado é algo muito diferente do que imaginamos! O que falta para uma boa banda deslanchar é um bom investimento e principalmente produção. Hoje não basta você saber tocar bem um instrumento… É necessário ter produção! E não me refiro à parte musical, mas sim, num geral! Desde show, figurino… Lógico que pra todo sucesso precisa ter também um bom investidor. Tudo é muito caro e as coisas acontecem muito rápido. Hoje você está em Alta, amanhã… Quem sabe?’’
Maçaneiro deixa um recado importante para outros meios de comunicação. O famoso ‘’ a união faz a força’’: ‘’As Rádios abertas que tocam rock, geralmente já apoiam de alguma maneira. O que precisam entender é que ninguém trabalha de graça. Se uma rádio (aberta) cobra pra tocar é que ela tem contas a pagar. E mesmo o artista pagando para sua música ser tocada, não quer dizer que você vire sucesso. Mas apoiar é nosso dever… Se não puder investir, que seja como divulgador! Ouça, consuma o rock independente! As bandas que hoje fazem sucesso nacional, um dia tiveram um início também.’’
O que auxilia muito esse universo da arte independente hoje além das redes sociais, streamings de música e sites especializados em vendas de e-books, que acabam sendo fundamentais para a divulgação desses trabalhos, é sem dúvida a perseverança do artista, o sucesso e o dinheiro não veem rápido, lucro é consequência de trabalho árdua e insistência. Hoje, poucos conseguem viver da sua arte, a grande maioria ainda tem uma segunda ou terceira renda. O importante é, se você tem vontade de escrever, ou formar uma banda, saiba que o caminho é longo e cheio de obstáculos, mas que se torna prazeroso quando sua arte é, de alguma forma, reconhecida. Acreditar no próprio talento, praticar sua arte, fazer networking e conhecer os apoiadores e parceiros certos, esse é o caminho para crescer e aparecer.
Por JULIANA HUNZICKER