Uma catuense “ilustrada”: a história de Anna Ribeiro de Góes Bittencourt (1843-1930)
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A primeira romancista baiana se considerava uma legítima mulher catuense. Ela era também uma senhora de engenho, pertencente a uma das famílias mais antigas e poderosas da Bahia no século XIX. Uma escritora reconhecida em sua época, Anna Ribeiro de Araújo Góes Bittencourt (1843-1930), transpôs inúmeras barreiras: aprendeu a ler aos onze anos, depois de enfrentar uma grave doença nos olhos; ousou expressar em público suas opiniões, algo que era incomum para as mulheres de sua época; publicou vários poemas, contos, e seis romances, além de inúmeros artigos em jornais e revistas de Salvador; e depois de tudo isso deixou escritas, para publicação póstuma, a biografia de seu avô e sua autobiografia.
É difícil imaginar o que significa para uma mulher do interior que viveu no tempo em que no Brasil ainda existiam escravos, sair do seio familiar para publicar obras literárias nos maiores jornais da Bahia. Mesmo pertencente a uma das famílias mais poderosas da época, não era comum uma mulher sair do espaço privado para o público em nenhum lugar do Império brasileiro naquele tempo. Estamos falando de um período que vai desde 1882, publicação de sua primeira obra literária, intitulada Anjos do perdão, até 1921, quando publicou Abigail, pelo jornal soteropolitano A Bahia. É quase quarenta anos de carreira literária, fato que se torna mais impressionante se considerarmos que a sua carreira como escritora começou quando ela já tinha 38 anos de idade, depois que seus três filhos já estavam todos criados.
As memórias que D. Anna escreveu por volta de 1822 – posteriormente intituladas – Os longos serões do campo foram publicadas por seus descendentes em 1992, e foi uma das biografias mais vendidas daquele ano aqui na Bahia. Além disso, esses escritos são tidos como uma das mais ricas e detalhadas narrativas sobre o cotidiano e costumes do Brasil Império, feita por uma brasileira. Por esse motivo, Os longos serões do campo são até hoje utilizados não só por pesquisadores baianos, mas de todo Brasil e até da Europa.
D. Anna viveu desde a sua mais tenra infância numa casa-grande, vendo da sua varanda uma imensa lavoura de cana cuidada pelos escravos, primeiro de propriedade do seu pai e depois do seu marido. No salão do Engenho Api [1] sua família recebia constantemente barões e políticos importantes do Império. Entre os seus parentes figuravam alguns deles, como o Barão de São Miguel, o Barão de Araujo Góes e, possivelmente, o Barão de Camaçari [2]. D. Anna era uma senhora de engenho “abolicionista”, um termo que parece contraditório, pois ao mesmo tempo em que achava que os homens escravizados por sua família e seu grupo social deveriam ser livres, dependia imensamente do trabalho [escravo] desses mesmos homens. Uma obra vasta e rica, principalmente por expressar e transmitir os sentimentos de uma época em que a Bahia conheceu o auge e a decadência da cultura de cana-de-açúcar para exportação, fundada no trabalho escravista.
Trajetória literária e (re)produção da realidade
Anna Ribeiro de Araújo Góes Bittencourt foi a primeira romancista baiana, num período em que o cânone literário baiano e brasileiro era dominado por homens. Propôs-se a produzir textos ficcionais com o intuito de “orientar” suas conterrâneas nos caminhos da “moral” e dos “bons costumes”. Escreveu artigos para vários periódicos da época destacando-se o Almanaque de Lembranças Luso-brasileiro e a Paladina do Lar – O primeiro publicado em Portugal, a segunda em Salvador.
A obra romanesca de Anna Ribeiro é vasta e diversificada e está dividida e: A Filha de Jephté (1882) e Abigail (1921) – e romances profanos – O anjo do perdão (1885), Helena (1901), Lúcia (1903), Letícia (1908) e Suzana (Inédito). Anna Ribeiro também produziu um livro de memórias intitulado Longos Serões do Campo (1992). Produziu ainda aproximadamente seis contos, vários poemas, três hinos religiosos e dezessete artigos. A obra de Anna Ribeiro teve ampla circulação em jornais de Alagoinhas e de Salvador. Jornais como A Bahia, Jornal de Notícias, O monitor publicaram algumas de suas obras entre 1882 e 1921. Os contos e romances eram publicados diariamente como são exibidas hoje as novelas da TV.
Por PATRÍCIA NASCIMENTO