COLUNA ÁGORA – Entrevista com Hélia A. dos Santos

COLUNA ÁGORA – Entrevista com Hélia A. dos Santos

 Hélia, a mulher que zela pela Terra Mãe

 Hélia Alice dos Santos é uma mulher educadora e defensora do meio ambiente. Ela nasceu em 02/01/1961 e é natural de Palhoça – Santa Catarina. Ela é Pedagoga e Mestre em Ciência da Educação.

 Sua história se desenrola em um caminho de lutas que começou ainda na infância. Desde muito cedo, ainda menina, ajudava nas atividades domésticas. Nos domingos à tarde brincava de piquenique nos arredores da casa da família com uma ou duas colegas. Seu pai, que trabalhava como pescador de embarcação industrial, passava muito tempo no mar trabalhando, mas o câncer obrigou-o a voltar para casa. Sua mãe trabalhava como atendente de enfermagem, mas precisou parar para cuidar do marido.

 Apesar de muito jovem, Hélia, juntamente com o seu irmão um ano e meio mais velho do que ela, assumiu os cuidados dos dois irmãos de quatro e cinco anos de idade, cuidava dos animais, pegava capim nos morros para alimentar os animais, tirava o leite das vacas e o colocava em litros de vidro para em seguida destiná-los ao armazém da comunidade, entre outras funções.

 Paralelamente, assumiu os trabalhos de sua mãe e, com apenas doze anos de idade já aplicava injeção intravenosa e muscular nas pessoas da comunidade. Após dois anos, teve uma estafa.

 Toda família passou a morar mais próximo do hospital onde seu pai ficava. Com 14 anos, passou a trabalhar como balconista numa loja de tecido e depois numa revendedora de peças de veículos.

 Nos finais de semana, saía de porta em porta vendendo as roupas que a sua mãe costurava. Quando completou 16 anos de idade, seu pai faleceu. Continuou a necessidade de trabalhar para colaborar no sustento familiar. Aos 18 anos, casou-se e voltou a morar na sua terra natal. Apesar das dificuldades, ela conseguiu concluir seus estudos e cursar a universidade, objetivo que perseguiu desde que iniciou sua carreira de professora. As precárias condições físicas da escola em que começou a trabalhar despertaram seu interesse para encontrar soluções a fim de melhorar o ambiente escolar onde trabalhava. O seu olhar agudo, mostrou-lhe que teria de se virar e conseguir recursos por meios próprios e foi a partir dessa necessidade que ela iniciou, juntamente com os pais dos alunos e os alunos, a recuperar matériais que eram jogadas no meio ambiente. A ideia, que foi apoiada pela comunidade local, tomou dimensões importantes e tornou-se, anos mais tarde, na Associação Pró-CREP.

 Hélia é uma mulher batalhadora e tem a sua essência voltada para semear o bem, conectar pessoas, cuidar dos espaços. Tomada de atitudes, ela persevera naquilo em que acredita. Seu objetivo é promover o desenvolvimento sustentável por meio do amor, da inclusão social e das trocas dos saberes.

 

ENTREVISTA

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REVISTA THE BARD Hélia, você teve que correr um caminho difícil para estudar, como conseguiu chegar à Universidade?

HÉLIA A. DOS SANTOS As condições de vida não me permitiram que continuasse meus estudos. Eu precisava trabalhar. Consegui uma vaga para lecionar, embora tivesse concluído apenas a oitava série do ensino fundamental. Encantei-me com a profissão de professora e voltei a estudar. Segui o magistério até o mestrado, que me capacitou a ser professora do âmbito da educação infantil ao ensino superior. Como educadora, sempre gostei da arte e dos detalhes que incrementam os ambientes. Assim se movimentava na minha casa, na escola, na comunidade… fui extremamente dedicada. O entusiasmo impulsionava-me a ecoar projetos que ultrapassavam os muros da escola e banhavam a comunidade. personagens fictícios.

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REVISTA THE BARD Como aconteceu o projeto Pró- CREP?

HÉLIA A. DOS SANTOS O projeto Pró-CREP (Criar, Reciclar, Educar e Preservar) nasceu quando, na década de 90, fui trabalhar na Escola Reunida Professora Olga Cerino (uma escola multisseriada, apenas eu de professora e uma merendeira). A escola ficava no bairro da Guarda do Embaú – Palhoça – SC. Na época, o referido bairro era abarrotado de lixo, pois a coleta dos resíduos, até mesmo a convencional, era deficiente. A escola, por sua vez, estava em condições precárias tanto na estrutura física quanto pedagógica. Então, observando os resíduos vi neles a oportunidade de transformar essa realidade em um novo cenário. Primeiro, mobilizei as pessoas da comunidade escolar e local, que logo iniciamos o processo de coleta dos resíduos lançados em terrenos baldios e fundos de quintais, em seguida passamos a observar as embalagens e transformá-las em materiais didáticos e decorativos. Os recursos provenientes da comercialização dos resíduos foram empregados em benfeitorias na escola.

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REVISTA THE BARD Em vista do valor desse projeto, que preserva o ambiente e integra o ser humano, a PRO-CREP teve reconhecimento governamental?

HÉLIA A. DOS SANTOS No ano de 1997, recebi diretamente do presidente da república Fernando Henrique Cardoso, o “Prêmio Incentivo à Educação Fundamental”. A partir de então, fui designada a expandir o projeto para toda a região sul do município (13 bairros). Por estímulos externos, no ano 2000 fui candidata a vereadora, fiquei como primeira suplente, assumi a Câmara, mas sofri retaliações e paralisaram o projeto. Um ano depois, inconformada com a situação, mobilizei outras pessoas e reiniciei a luta. Diante de alguns desafios e para assegurar o projeto a Pró-CREP foi legalmente instituída Associação e reconhecida como de Utilidade Pública Municipal e Estadual. Ao perceber que as ações fora da política partidária teriam mais sentido para a sociedade, publiquei uma carta aberta à população e me desliguei da política.

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REVISTA THE BARD Qual a importância do projeto Pró-CREP para a comunidade de Palhoça?

HÉLIA A. DOS SANTOS Continuei atuando voluntariamente na Associação e fomentando o fortalecimento de práticas educativas para preservação do meio ambiente e para a inclusão social. A Pró-CREP propicia inserção produtiva e social através da coleta, triagem e enfardamento dos recicláveis. Com um novo olhar sobre os materiais coletados e triados, passamos a recuperar, reciclar e a reaproveitar dando vida nova com arte e beleza a alguns materiais que foram descartados. As roupas são recuperadas, os resíduos cerâmicos, espelhos, madeiras e vidros transformam-se em mosaicos. A renovação dos materiais deu origem ao brechó Consumo Consciente, ao Sebo, à Loja do Cacareco (brinquedos e utilitários domésticos) e à coleta do óleo de cozinha para transformá-los em sabão. Hoje, a Pró-CREP conta com veículos próprios para a coleta dos recicláveis e do óleo de fritura. A Pró-CREP passou a ser a extensão das residências e comercio local, é o lugar onde recebe aquilo que não cabe ficar em casa (o excedente, as embalagens que precisam ser recicladas)

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REVISTA THE BARD Quem pode ser beneficiado com a Pró-CREP? Todas as pessoas que trabalham na Pró-CREP são benévolas?

HÉLIA A. DOS SANTOS A Pró-CREP possui cadastrados 21 profissionais voluntários (Engenheiros, pedagogas, nutricionista, chefe de cozinha, publicitário, jornalista, bióloga, terapeuta, dentre outros). Sessenta e cinco pessoas que viviam em situação de vulnerabilidade social e econômica, hoje, possuem trabalho e têm renda oriunda da Pró-CREP. São 67 toneladas de resíduos por mês que deixam de ir para um aterro sanitário, são reaproveitados e viram renda. O mais belo de tudo é a inclusão social de dependentes químicos em recuperação, ex-presidiários, imigrantes haitianos, mulheres chefes de famílias e desprovidas de oportunidades. Além disso a Pró-CREP incentiva e põe em prática ações que desenvolvem a educação socioambiental no Galpão (onde são triados os resíduos coletados), nas escolas e de casa em casa. Os espaços e movimento da Pró-CREP proporcionam parcerias, voluntariados e intercâmbios com entidades públicas, privadas e acadêmicas. Como exemplo, laboratório de pesquisa acadêmica, diversos trabalhos de conclusão de curso na área das engenharias de produção, ambiental, elétrica, como também na pedagogia, turismo, arquitetura, jornalismo e direito. Recentemente, A Pró-CREP concluiu uma parceria com a UNISUL – Universidade do Sul de SC, para colocar em prática o projeto de estufa hidropônica e compostagem.

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REVISTA THE BARD Quais os novos projetos para 2022?

HÉLIA A. DOS SANTOS Reavaliar e alterar o Estatuto da Pró-CREP; ampliar, inovar e intensificar a educação ambiental, casa/casa, escolas, associações, igrejas e no próprio galpão; fortalecer o projeto da Estufa Hidropônica e do Agro-Sustenta; retomar a coleta das podas de árvores e jardins; ampliar a quantidade de conteineres específicos para ponto de entrega voluntária dos resíduos sólidos recicláveis; criar novas oficinas a partir do reaproveitamento de materiais; criar grupo de apoio (terapia de grupo). Começamos a “Educação Ambiental na Praia”, um projeto novo que orienta os turistas quanto ao destino correto dos resíduos, bem como, oportunizando a coleta dos mesmos. Como experiência, no primeiro momento, optamos na praia de Guarda do Embaú, Palhoça, SC. Esses resíduos são oriundos das barracas que vendem comes e bebes. Diariamente, média de 250 quilos de resíduos seguem o destino correto (reciclagem). Os barqueiros, na maioria, são pescadores artesanais, que no verão complementam sua renda com o turismo local. Além da preservação ambiental praticamos o ato solidário, a parceria dos barqueiros, em especial no translado da equipe de trabalho e dos resíduos que oportuniza a eficiência do movimento. Vale destacar que para chegar até à praia é preciso atravessar o rio. A todo momento, na Pró-CREP entendemos e fazemos jus ao lema que carregamos “Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos”.

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REVISTA THE BARD Qual é a sua mensagem para o leitor?

HÉLIA A. DOS SANTOS Que sentido tem a nossa existência? Que rastros deixamos por onde passamos? É preciso e possível reavaliar nosso consumo, nosso estilo de vida, a essência do nosso ser. Fomos todos acolhidos pela Mãe Terra, que nos ampara para uma vida sustentável. Zelar por essa Mãe é propiciar aos que estão por vir, os mesmos direitos que aqui temos. Quando se trata de resíduo, já pensou que não é lixo? Que é a natureza transformada? Que carinhosamente devemos dar o destino mais correto possível? Caso contrário, um dia poderá nos faltar até o essencial para viver.

FOTOS 

                   

                   

                   

ENTREVISTA

 

Hélia A. dos Santos

Por VALQUÍRIA IMPERIANO

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