Éramos somente dois visitantes n’aquela terra aprendendo que sempre existe o dia certo para se deixar florescer algo contra aquilo que seu sentimento mais conservador tenta controla-lo. É como que a vontade de experimentar coisas sobrepõe ao medo, batendo assim à porta do prazer.
Eu rememoro como hoje… Lá estávamos, a duas horas, de “butuca ligada” para ver se alguém se aproximava. Os olhos e ouvidos atentos tornava o trabalho duplamente bem-feito. Éramos duas luzes, duas grandes mas pequenas luzes, carecendo de experiências táteis, e assim, tentando desvincular-se do gosto agridoce das aparências e da real força que dominava à hostil vontade de ser alguém da antropofagia do mesmo sexo. Éramos vaga-lumes com luzes piscando. Ora… alguns odeiam conter sua luz diferente, mas nós aproveitamo-nos daquela paisagem verdejante e fizemos algo novo com essa luz e com o potencial do usufruto dela. Sabíamos ser distintos daquela gente considerada “normal”, mas era ali, diante daquele lugar, naquele dia, o dia D, era ali que jazíamos – escondidos – dois garotos do Engenho, engenhando-se diante do segundo maior pé-de-caju do mundo.
Naquele tampo não era ponto turístico e nem consideravam dar sequer algum pódio a ele. Melhor assim, era um bom lugar grande o bastante para nos escondermos e fazer coisas. Não éramos criados ali e existia um deslumbre um pouco bobo de duas almas que nada sabiam de campo ou roça, mais conheceriam a chance de serem àqueles típicos garotos da cidade que serão nomeados as crianças de engenhos por umas semanas, como o Poeta Zé Lins sobre seu clássico.Éramos dois jovens e suas “engenhosidades”.
E ali descobrimos à beleza da boa idade. A juventude transviava sob cenários de sons de pássaros e o balançar dos galhos daquele titã colossal. Um de nós não sabia ainda que era garoto. Já o outro desconfiava ser garota. Descobririam muito tempo depois. Mas naquele tempo fingiam-se dirigir um “Jeep 4×4” na contramão da prudência encontrando na curiosidade e na vontade de ser jovem cuja experiência visceral ficaria gravada no livro das memórias de cada um ali. Era um dia atípico, sob ventos fortes, um dia daqueles, era como se algo tentava a ser do contra ali. Sabe quando alguém que simplesmente gosta de suco de laranja, mas decidiu acordar com vontade de beber suco de tâmaras com limão e mamão.?! Acho que era isso… E jazíamos ali, sabe-se lá como…bebendo… regozijando… sobre uma jarra muito mais viscosa e mais concentrada.
Foi também sobre a sombra desse trono centenário de troncos vasculares que inventamos o jogo do troca-troca; Sentíamos através daquela força mística da tão brasileira flora o achegar dos excessos. A “garota” voltou naquela hora a ser garoto e o “garoto” quis experienciar a ser uma garota, acho que foi a sua primeira vez como garota… E se viu ali um chupar da baga… Caçamos o amargor da primavera que descia em forma de leite de caju queimando sobre a goela e que tatuava para não sair nunca mais, nem da roupa nem da pele. Foi exatamente surpreendente. Uma ativa e um passivo. Dois soldados rasos tornando-se oficial diante do quartel natureza, onde esse mesmo leite jorrava em abundância e faziam-nos trocarmos os papeis ora ou outra.
Outras ferramentas surgiam e novas habilidades. O tempo parecia aliado da imaginação. Reversávamos sobre o QG que ficava invisível para esses dois sentinelas que se lambuzavam sobre a primeira florada da doce descoberta. Não havia nada de feio ali, era a pureza e a inocência migrando para a voracidade da natureza sobre rajadas ventos e cheiro de um sertão que cheirava a terra chuvosa e dava o esplendor de sua graça e tornava um palco ainda mais sinestésico.
E por que não retribuir a Mãe terra ali?! Foi nossa astuciosa forma de pensar em como justificar a desculpa do “pecado”. Retribuímos com a viçosa troca ininterrupta. A lembrança do abocanhar aquele caule rugoso do “caju”. O dar a sua parte para o outro também… Ali, o fruto e o caule se misturaram. Não dava para saber quem era o quê ou quem era quem. No fundo, quando se chupa um caju exasperadamente ficamos sob contradição, a língua fica dormente a ponto de se arrepender, mais, mesmo assim, ainda estamos sob o transe do gostoso triunfo de quando abarrotado, e de barriga cheia, retiramos aqueles pelinhos dos dentes com sorriso de orelha a orelha de satisfação a ainda pedir mais. Não houve poder do tanino que impediu nossos caninos de continuarem amordaçando-se.
Há outra contradição da natureza para o Caju: a castanha é a fruta e o resto se apoia a somente um pseudo-fruto. Então, se até a natureza se contradiz porquê não podemos brincar com os contrários?! E aqueles que pensam nisso com um asco, saiba que não ligávamos para isso. Pelo menos naquele tempo, antes do conservadorismo politicamente correto das antípodas onde não se pode mais misturar pera, uva, maçã, salada mista.
Por VICTOR DE SOUSA