CONTOS E MINICONTOS – A Arte de Sandra e Fábia por Beatriz F. Santos

CONTOS E MINICONTOS – A Arte de Sandra e Fábia por Beatriz F. Santos

 Sandra dá uma única tarefa à filha, assim que ela completa os dezessete anos. Sempre viveram nos subúrbios. Vivem do que plantam e possuem uma maneira muito própria de vestir. Sandra sempre foi muito ligada às artes e a filha, por genética ou simples curiosidade, parece seguir-lhe o caminho. A arte de ambas centra-se bastante nas diferenças entre a vida rural e a urbana.

 Vivem apenas às duas sem terem grandes ligações com o mundo e o resto da família, já que esta é muito fixada com ideologias capitalistas, às quais, Sandra jurou não oferecer tanto o seu foco. Contudo, o bolso mostra-lhe outra realidade e Fábia ainda é nova e precisa de alguém como a própria mãe que cuide dela, pelo menos, até atingir a maioridade.

 Assim, Sandra procura precaver-se e provocar curiosidades na filha de modo que esta possa ter ideias de negócios ligados às artes.

 — Minha filha, não te vou pressionar, preste atenção, só quero que me avises se eventualmente tiveres alguma ideia.

 — Bem, tu já vendes quadros — replicou a miúda, sentada à mesa da cozinha a desenhar qualquer coisa como uma bota.

 — Parece que não chega.

 A conversa ficou por ali. Passaram-se alguns dias e Fábia começa a cantarolar músicas criadas momentaneamente. Era instantâneo, mas o ritmo e o som saiam como qualquer coisa de extraordinário.

 Certo dia, Sandra sentou-se na rua a pintar uma tela. Queria pintar a paisagem em frente à sua casinha de madeira, metida no meio da floresta. As suas latas de tintas ficaram espalhadas pelo chão. Começou pelos riscos e deu-lhe diversas cores. Fábia, nem se apercebia do que acontecia à sua porta. A mãe estava igualmente demasiado envolvida para perceber no desenho fantástico que ficava, perceptível.

 A miúda terminou a sua caneca de louça com umas pinturas góticas, deixou o desenho e levantou-se, curiosa por saber que é que andava a mãe a fazer já que não a ouvia e a via andando de um lado para o outro, há de uma hora.

 Adiantou-se para a porta da entrada e parou. Primeiro, não a queria desconcentrar do seu momento — também não gostava de ser desconcentrada pelo que quer que fosse — e, depois, ficara boquiaberta, pois, o desenho, ou melhor, a pintura da mãe conseguia sair tão bonita quanto a realidade.

 — A natureza é bonita, mais do que os edifícios e a poluição, dou preferência à “Arca de Noé”. São bonitos os pássaros, o silêncio e os ramos; são autênticas as flores dos jardins; dou passeios nas clareiras com cheiros dos jasmins. Há serões que me pinto a mim mesma; e outros, dias de chuva, que desenho a lesma; faço amigos de várias espécies que avisto da minha porta. Elas aparecem na minha pequena horta, oferecem-me a bondade de coração, e insisto que não preciso de uma multidão — cantarolou ela devagarinho num tom baixinho.

 Sandra rodou lentamente a cabeça, mantendo o mini pincel na mesma posição em que estava pronto para pincelar. Abriu a boca num porque era suposto felicitar a filha e só conseguiu quando ela se apercebeu da atenção da progenitora e da admiração dela.

 — A tua voz é tão bonita. Isso ficou bom. Qualquer coisa de mágico!

 Empolgou-se Sandra, erguendo-se do banco para aplaudir a filha. Momentaneamente, Fábia ficara envergonhada com a sua reação. E já previa que a mãe fosse acrescentar um comentário, o qual não demorou muito tempo. Minha querida! De onde saiu essa canção que eu não a conhecia?

 — Saiu agora, do momento. Admirei o teu desenho da nossa paisagem e a canção simplesmente foi criada.

 — Isso está uma coisa fenomenal! Lembraste da letra?

 — Sou capaz de me lembrar, acho eu… — agora, Fábia receava não poder corresponder às expectativas da mãe, sejam elas quais forem. Se queria fazer alguma coisa com a sua canção ou a sua voz, Fábia precisava de se preparar para trabalhar.

 — Lembra-te e aponta num papel. Vais ensaiá-la e gravá-la. Acredito que será um êxito!

 — O quê? — Fábia julgava que enlouqueceria com as ideias frenéticas da mãe. Como podia a mãe pensar daquela maneira?

 — Vais cantá-la para a praça. Está decidido e sem discussão! Só tenho de ir pedir autorização, não queremos problemas para o nosso lado. — A mãe afastou-se e foi arrumar-se para sair. Compôs o cabelo, enquanto a miúda observava completamente perplexa, meteu uma casaca pelas costas, descalçou os chinelos para meter umas botas nos pés e retirou a sua mala de pano grosso do cabide para um ombro.

 — E eu? — quis a miúda, saber ao ver a mãe já de saída sem lhe dizer um ui! Que fosse!

 — Volto já — disse a mulher e saiu.

 O cavalete e a tela permanecerem na rua.

 Eram seis da tarde quando a mãe voltou a pisar o chão da casa. Trazia boas notícias consigo. Sandra conseguia ser persistente nas suas ideias o que levava o presidente ou o vice a desistir e a fartar-se de a ouvir. Dera-lhe autorização para levar a filha a cantar às gentes da vila. Afinal, era uma boa ideia, desde que Fábia não se atrapalhasse e agisse desajeitadamente.

 Chegava o momento. Algo de maravilhoso e nunca visto: Fábia desenharia algo para depois pintá-lo enquanto cantava e não desafinava. Aparentemente eram os desenhos e o praticar que a inspirava a cantar. Sandra percebera, com os dias, que a filha cantava bem embora as letras, por vezes, não fossem nada de maior. Contudo, o facto de saber controlar a voz sem desafinar um segundo sequer enquanto desenhava e pintava na tela, traduzia-se num fenômeno que a multidão desatou a aplaudir. Ficaria conhecida por isso. Todavia, estaria para a acontecer o que ambas — mãe e filha — menos esperavam!

 No ar, pairava uma nostalgia de criança, que a canção e a voz de Fábia carregavam. Havia um homem, apenas um, que se fixava nela com toda a sua atenção. De seguida, uma mulher aproximou-se dela. Claramente, que era a velha paixão de adolescente do homem, Sandra. A miúda maluca que pintava tudo o que via à frente. Começou por adorá-la e, com o passar do tempo, já se cansava de ver tantos desenhos e pinturas. Decidiu cumprimentá-las, aproximando-se.

 — Olá… eu ouvi-te e queria perguntar: porque não lanças um álbum da tua autoria?

 — Propôs-lhe o homem que se aproximou antes de Sandra se ir, e juntar-se à miúda. Era notório o constrangimento da mais nova, então, para seu bem ou mal, Sandra ficara perplexa e explicou á miúda que o homem era, sem dúvida, o seu progenitor.

Por BEATRIZ F. SANTOS

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