CONTOS E MINICONTOS – A Casa Fria por Regiane P. Borges

CONTOS E MINICONTOS – A Casa Fria por Regiane P. Borges

 Bato, os cachorros latem, a porta se entreabre. Me apresento ao proprietário, que informa que os cachorros serão fechados. Aguardo e posteriormente a porta se abre por completo. Na minha frente, um senhor que aparenta ter uns sessenta e cinco anos. Preciso, ciente de seus deveres e direitos e com características típicas de morador de grandes capitais. Adentro o imóvel, nem por segundos os cachorros param de latir, contrastando com o silêncio do bairro. Mesmo com os latidos atrapalhando qualquer forma de interação, analiso o terreno. Tamanha diferença de cultura se apresenta a minha frente. Tudo ali é único. A casa projetada e cunhada pelo próprio dono e que em muito difere do padrão costumeiro do interior. O projeto em si é de uma imensa sofisticação e ao mesmo tempo surreal que beira à arte. No quintal, o acondicionamento das coisas foge à normalidade. Pilhas de materiais diversos poderiam ser retirados dali para um maior fluir do ambiente externo. Pergunto se está à venda e como resposta recebo um sim.
– Posso vê-la? Pergunto. – Claro! Responde o calmo e distinto senhor. A casa foi lateralmente construída, cercada de uma ampla área aberta que cobre seus três principais lados. A casa poderia ser adentrada em todos os seus cômodos, separadamente, portas foram abertas ao longo de toda a sua extensão. Primeiramente fui convidada a entrar na sala e cozinha conjugadas. Umas cinco janelas perfaziam o total no ambiente duplo e sofisticado, favorecendo um clima ameno em pleno verão. Saímos do ambiente, e retornamos para área externa, ponto de partida para todos os ambientes. Adentramos a suíte principal da casa, o quarto com dois closets entre o banheiro, ideal para a guarda de todo tipo de pertences pessoais, tamanha a sua dimensão. Voltamos para o ponto de partida, dali adentramos uma outra suíte menor, com a mesma sofisticação da primeira, essa sem closet. Novamente do ponto de partida, entramos em um pequeno quarto, de tão pequeno tive dúvidas se caberia uma cama simples no interior do mesmo. A casa contava ainda com dois banheiros externos, sofisticados também, porém, pequenos. A casa toda era fresca, afinal era toda forrada com isopor entre gesso, única casa com este sistema de forramento naquela cidade interiorana. Moderna!

 Imaginei aquela casa sem aqueles objetos ali, expostos desordenadamente, com certeza uma limpeza resolveria. Conclui que seria uma ótima residência, no entanto, algo me intrigava naquela casa fria, naquele senhor, naquele ambiente desorganizado. O que levaria o proprietário a vender uma casa que acabara de construir? Ademais, uma casa personalizada como era aquela.

 Enquanto conversávamos sobre assuntos diversos, fiquei tentando entender o contexto de trocar a cidade grande por uma cidade pequena e ainda, imaginei como era a vida daquele senhor em sua casa fria, que horas acordava, se tinha uma alimentação saudável, que horas se deitava, dentre outras coisas que fazemos no cotidiano.

 Não ousei perguntar. O senhor não mencionou nada. Ficamos olhando um para o outro e por um momento tive a impressão que seus olhos marejaram. Despedi-me e me retirei da casa. Prometi a mim mesma, voltar um dia, não para comprar a casa, mas somente para conversar com aquele senhor agradável, e talvez ajudá-lo. A imagem do senhor e sua casa fria não me saiu do pensamento, nos dias que se seguiram. A personalização daquela casa e a história de seus moradores se entrelaçam na vida daquele simpático senhor, que talvez em outras oportunidades e com um pouco de genialidade, eu consiga desvendar.

Por REGIANE P. BORGES

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