Eram três horas da madrugada quando ela acordou.
Sem saber se estava tendo um pesadelo ou mais um tormento da vida desgraçada que tinha, ela tentou voltar a dormir usando o travesseiro para abafar a luz e o barulho. Mas isso não ajudou em nada.
Sua cama era um colchão jogado no chão da sala e a pouca coberta, naqueles tempos de inverno, fazia seu corpo se contrair até doer-lhe os ossos.
A luz da cozinha estava acesa e ela sabia que aquilo não era um bom sinal. Em casa pequena e de poucos móveis qualquer ruído é percebido e os ruídos que ela ouvia, não eram quaisquer ruídos.
Sentou-se, suspirou profundamente e as lágrimas começaram a banhar seu rosto magro. Ouviu o choro baixo e uma súplica desesperada implorando por piedade de quem já não tinha forças para se proteger.
– Pare ou me mate de uma vez!
– Você ainda vai apanhar muito, sua desgraçada!
Mesmo com medo, levantou-se e foi espiar a situação. Em pé, na porta, olhando escondida a cena de horror que, infelizmente, não era uma novidade, a menina presenciou uma atrocidade que não pode suportar. O pai descontrolado socava a cara da mãe e batia sua cabeça contra a parede.
As paredes, que eram brancas, estavam tomadas pelo vermelho, parecia uma cena de crime violento, e seria, se ele tivesse mais alguns minutos para continuar sua insana violência.
A mãe tinha o rosto deformado e o pai uma feição demoníaca.
Faltou-lhe o chão.
A menina caiu e seu desmaio interrompeu a barbaridade que o pai, embriagado, cometia contra a mãe. Mesmo machucada, a mulher sentiu certo alivio no peito, pois graças à filha fraca e traumatizada, ela estaria salva de uma morte cruel, mas só por um momento.
Enquanto colocava a filha no colchão, o terror ainda rodeava a mulher espancada.
– Pega a faca, mamãe – a menina sussurrou mostrando-lhe uma faca embaixo do colchão.
Há muito tempo ela escondia uma defesa, para o caso de a coragem lhe tomar de supetão.
– Dá próxima vez você vai apanhar também – prometeu o demônio que se passara por pai, abaixando para ameaçar a menina bem de pertinho.
A coragem não se apossou da menina, mas preencheu cada parte do corpo da mãe com força e agilidade nunca antes experimentadas.
Tão rápido como um relance deve ser, a casa se fez toda vermelha, paredes e chão, tudo vermelho.
A lâmina encontrou o homem num golpe sem defesa.
Os gritos de ira e desabafo que só se ouve de quem ataca um carrasco, foram substituídos por um rápido silêncio. Mãe e filha desabaram em gargalhadas impulsivas, elas experimentaram um momento de euforia incontrolada e a loucura foi apreciada por tempo que relógio não contabiliza.
Abraçadas, sentaram-se no cantinho da sala, enquanto olhavam o cenário.
– Nossa casa agora é vermelha, mamãe, toda vermelha!
Por MIA KODA