Adentrando-se lá pelas bandas do Sertão do Moxotó, na cidade de Sertânia, mora uma menina muito simpática, risonha e de olhos brilhantes. Embora geralmente só a vejam tímida, de cabeça baixa e com o olhar desviado para o chão. Uma menina que de tão transparente e dócil, chega a causar espanto. Mesmo que se esforce ao máximo para não mostrar seus dentes. Até porque ela dificilmente sorri. Em verdade ela até sorri, mas nada que vá muito além de um movimento puramente labial, ainda que sua sensibilidade pudesse transpassar, com facilidade, toda aquela barreira dentária.
Mas deixemos a gentil Menina de lado. Vamos falar um pouco de seu pai.
O Seu Gonçalo. Seu Gonçalo é homem respeitado na região, é cabra trabalhador e nunca deixou o pão de cada dia faltar em sua casa. Seu Gonçalo, homem sertanejo de vida, quase não tem amigos, mas só vive encangado com seu compadre Zé.
Em uma determinada noite de lua cheia, Seu Gonçalo resolve chamar o compadre Zé e sua mulher, Josefina, para jantarem em sua casa. Entretanto, além da grande lua amarela que brilhava na varanda naquela noite, não havia mais nada em especial que justificasse aquele jantar. Para o compadre Zé, tratava-se apenas de um encontro entre amigos, uma noite apenas para jogar conversa fora. Mas, como é de costume no Sertão, ele aprontou-se logo em separar a melhor roupa que possuía dentro do armário e, de pronto, foi logo pedindo pra Josefina dar uma engomada.
De qualquer modo, o jantar que o Pai da Menina vai dar para o amigo é coisa chique! Ele manda que preparem a melhor galinha de sua granja e põe a toalha de mesa que sempre se encontrava reservada dentro do armário da sala, aguardando ocasiões excepcionais.
Quando dá por volta das cinco horas da tarde, horário em que começa a escurecer no Sertão, o compadre Zé e sua mulher Josefina começam a se arrumar para irem para a casa do Seu Gonçalo.
Pouco depois das seis horas da noite a campainha toca. Seu Gonçalo agoniado do jeito que era, apressasse logo em atender a porta (onde já se encontrava de prontidão a espera do amigo). E, sem muita cerimônia, eles entram, Seu Gonçalo já morto de fome, com o estômago dando um rebuliço, senta-se à mesa. E depois de muito tagarelar (como era de costume), mal deixando o compadre Zé responder as suas perguntas, que eram feitas de forma sequenciada, quase como em um monólogo, Seu Gonçalo se dá conta que sua filha ainda está no quarto, e grita de lá mesmo: “Menina! Vem pra cá que o cumê tá pronto!”. E, logo em seguida, ele já se põe a comer.
Sim, a Menina! Pois de tão envoltos que estávamos no jantar do Seu Gonçalo, quase que nos esquecíamos da existência daquela garota. Até porque dificilmente se notava naquela garota franzina, a qual era menos ainda apercebida naquele pequeno pedaço de terra no Moxotó esquecido pelos homens.
E a Menina, do seu quarto, no final do corredor à direita, escuta o grito do pai e rapidamente foi-se aprontar para chegar à mesa. No mesmo instante, ela deixa de lado Carlinha, a sua boneca de pano com quem estava brincando- na verdade brincava com ela com o intuito de tentar relacionar-se com alguém que realmente visse sentido em sua vida. E esse alguém, para a Menina, era sua boneca de pano, que talvez por falar de menos permitisse a menina se comunicar e deixar as palavras que fossem sair daquela boca tímida, desenvolvendo um gostoso e prazeroso diálogo.
Embora dialogasse sozinha, tendo em vista que diante da boneca muda a Menina se parecia mais com o Pai tagarela.
Ao chegar à mesa, antes de qualquer reação da Menina, Seu Gonçalo vai logo se adiantando:
“Filha, cumprimente, o compadre Zé e sua mulher Josefina!”.
E logo em seguida, ela dá um “tchauzinho” discreto de boas-vindas para as visitas e senta-se ao pé da mesa. O compadre Zé, aquela altura do campeonato, também já se encontrava morto de fome- até porque não teria como não estar após aquele cheiro de galinha guisada que incensou a casa inteira. Mas, apesar disso, antes de se servir, pergunta, educadamente, a filha do compadre Gonçalo:
“Você prefere a coxa ou o peito?”
E a menina, de imediato, foi logo ficando vermelha que nem um pimentão, e, antes mesmo que tivesse um tiquinho de coragem que fosse pra responder a pergunta do moço, seu pai foi logo se adiantando na resposta:
“Vixe, essa daí só gosta de pé de galinha! Num precisava nem perguntar Compadre, ela só gosta disso mesmo. Toda vez a gente dá o pé de galinha pra ela e ela acha uma delícia!”.
“Mas, andem, sirvam-se, sirvam-se! – exclamou o pai da Menina”.
Após todos se servirem, é chegada a hora de Menina. Ela, cabisbaixa, envolta na sua timidez e pseudo-apatia, começa a saborear seu delicioso duro e quase sem carne, pé de galinha. E a menina, é isso – “a menina”. Não interesse aqui seu nome, para quê se deveria sabê-lo se sempre se referiam a ela apenas como menina mesmo, ora! Mas isso não vem ao caso, o que importa é que depois da comilança, todos já se encontravam de bucho cheio após se deliciarem com aquela saborosa galinha.
Todavia, essa menina, filha de Seu Gonçalo, era uma menina de muito gosto, e muito luxenta por sinal! Tudo, segundo seu pai mesmo afirmava, tinha que funcionar do jeito que ela gostava.
A Menina só gostava de comer se fosse em silêncio- nunca conversava quando estava sentada a mesa.
Só chegava a mesa de jantar depois que todo mundo já estava sentado lá a sua espera. Só dirigia a palavra a alguém quando, e se fosse perguntada – isso se o pai, que nem de boca cheia conseguia falar pouco, não a interrompesse na hora em que a menina criasse coragem para responder. E só comia da galinha o danado do pé! Embora ela nunca tenha tido oportunidade de dizer, que o que gostava mesmo era de uma asinha bem assadinha!
Por FERNANDO AQUINO