Na penumbra da noite, ela conduzida por pensamentos nefastos seguia sem rumo, aturdida, sem esperanças e cheia de dores que só a alma culpada pode ter.
De repente, depara-se dentro de um cemitério. Não sabia como havia chegado ali. Mas teve certeza de que ninguém a perturbaria e aquele silêncio sepulcral poderia dar-lhe uma direção…
Completamente abandonado. O único som que ouvia era dos movimentos de seus pés sobre as folhas secas. Não tinha medo, já não havia nada a perder. Foi adentrando cada vez mais e mais. Até esqueceu um pouco de si, observando as árvores, que agora pareciam assustadoras, somente à luz da lua…
Talvez quisesse morrer ali ao lado daquelas lápides ou jazigos, não faria falta a ninguém, sentia-se miserável, um ser tenebroso, seria melhor para todos se não existisse. Em meio aqueles pensamentos, ouve passos. Pensa em correr, mas fica imóvel, o que poderia ser? Fantasmas? Riu-se de si. Ora, um cemitério? Um lugar que jaz calmaria, que nunca experimentara em sua vida. Sua imaginação, certamente, estava lhe pregando uma peça. Decidiu continuar caminhando, até que uma mão tocou-lhe o ombro. Como se seu corpo entrasse num torpor inexplicável, respira ofegante e descontroladamente…
_ Nada tema moça! Sou um andarilho e venho esquecer meus problemas aqui…
Acalmando-se, vira-se para ele, um jovem moço muito bonito, de cabelos compridos, barba bem feita, como poderia ser um andarilho?
_ Você me assustou, achei que não tivesse ninguém aqui, além de mim e os mortos…
_ Aí que você se engana. Não há só mortos no cemitério, pois as pessoas quando morrem apenas o corpo fica enterrado e o espírito pode vagar por onde quiser tomar a forma que desejar…
_ Nossa, que coisa, mas não acredito nessas coisas, morreu, acabou.
_ Respeito sua opinião. Mas alguém já dissera que há mais coisas entre o céu e a terra…
Ela o interrompeu…
_ Já sei disso, entretanto não acredito mesmo.
_ Afinal, veio visitar algum túmulo?
_ Não.
_ Parece que está abandonado. Aqui era um lugar muito bonito, cheio de flores, bem ornamentado, fazia bem andar por esses vales, olhar cada lápide e seus epitáfios, com diversas expressões de amor e saudades. Sempre vinha aqui…
Ela estava tão envolta em seus pensamentos perturbadores que nem prestou atenção na fala do rapaz. Pensava em pôr fim à sua medíocre vida.
_ Você gostaria de caminhar um pouco? Vejo-a tão triste.
_ Talvez seja bom.
Seguiram caminhando e olhando as lápides. Comentaram alguns epitáfios de saudades, de amor, tristeza e homenagens. Quem seriam aquelas pessoas que caminharam sobre a terra, o que fizeram de suas vidas? O que realmente deixaram para seus entes queridos?
_ O que trouxe você a esse lugar?
_ Eu estava muito triste, na verdade, procurando a morte.
– disse a moça cabisbaixa e tristonha.
– Mas por que tanta tristeza, menina? Você tem uma vida inteira pela frente. Não pode desanimar.
– Se não tivesse visto em você um amigo, acho que teria cometido o maior dos pecados, pois queria morrer, deixar de existir, acabar com tudo.
– Viu essas lápides? Quanta tristeza causou a falta dessas pessoas a alguém… Consegue imaginar? E seus familiares? Não pensa neles? Quanto sofrimento iria causar-lhes?
– Tem razão, pensei só em mim mesma. Deve estar achando que sou egoísta demais.
– De forma alguma, apenas uma pessoa que se perdeu em meio a pensamentos tresloucados…
– riu do próprio comentário.
Ela olhou para ele e começou a rir também. De repente notou como tinha um sorriso bonito, olhos bem penetrantes. Começou a se sentir impactada com aquele olhar que adentrava sua alma.
– Queria ficar mais um pouco com você.
_ Fique mais.
– pediu a menina agora arrependida e envergonhada.
_ Se quiser volte amanhã para conversarmos.
– Combinado.
Os dias foram passando e os encontros traziam muita alegria para aquela que só via tristeza. Todos ao seu redor começaram a perceber o novo entusiasmo dela. Só estranharam as suas visitas ao cemitério.
Certo dia, o coveiro chamou-a para conversar e perguntou por que ela gostava tanto de ir ao cemitério. Sentindo-se invadida pela pergunta, rebateu dizendo:
– Que pergunta? Sempre venho conversar com meu amigo Carlos.
– Quem é Carlos?
– indagou o velho coveiro.
– Conheço todos os vivos e enterrei muita gente aqui. Não tem nenhum Carlos.
_ Claro que tem, Carlos Nogueira de Aguiar.
O homem pareceu congelar no tempo e cuspiu o cigarro de palha de forma asquerosa.
– Venha comigo!
Ela o seguiu. Ele a conduziu a um jazigo. Entraram. Observaram tudo. Curiosa foi tirando o pó de tudo e de repente viu uma imagem que como um punhal acertou seu coração em cheio. Era do seu amigo Carlos, do jeito que sempre o encontrava. Abaixou-se e começou a chorar. O homem a levantou e disse que a vira falando sozinha à noite no cemitério. Queria ter falado antes, mas aguardava ter coragem para isso. Não pretendia ferir seus pensamentos e nem queria que se entristecesse com aquela verdade.
A moça se levantou e agradeceu. À noite retornou e aguardou seu amigo. Estava completamente apaixonada por ele. O que faria?
Ele foi ao seu encontro como de costume. Conversaram bastante e assim o tempo foi passando. Não tinha forças para revelar seus sentimentos em relação a ele. Queria continuar vendo-o. Temia que se ele soubesse de seu sentimento, provavelmente se afastaria dela.
A família dela entendendo que ela estava bem não interferia nas atitudes da jovem. O tempo foi passando, ela envelheceu e adoeceu.
Fez um último pedido ao novo coveiro que ficara no lugar do antigo, queria se vestir de noiva e terminar seus últimos momentos no jazigo do seu amado Carlos Nogueira Aguiar e que deveriam colocar o nome de Luísa Nogueira Aguiar em sua lápide. E assim fizeram.
Dizem que à noite ela caminha vestida de noiva ao lado do seu querido Carlos.
Por JACQUELINE SOUZA